Em janeiro completaram-se 6 anos de vigência da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015 – LBI).
Essa lei foi promulgada com o propósito de reafirmar a capacidade dos portadores de deficiência para o exercício de suas cidadanias, buscando assegurar-lhes igualdade nos atos da vida civil, direitos e garantias fundamentais e, sobretudo, promover sua inclusão social.
Uma das grandes inovações foi a mudança de paradigma no que se entende por “deficiência”. Contando com a fundamental participação da então deputada federal Mara Gabrilli (hoje senadora por São Paulo), que sugeriu diversos ajustes ao texto original, afastando os dispositivos que associavam deficiência à incapacidade, deixou-se de lado a ideia de que trata-se de uma condição estática e biológica da pessoa, adotando-se a concepção de que tal estado decorre das barreiras impostas pelo meio e pelas limitações de natureza física, mental, intelectual e sensorial do indivíduo.
Com isso, a lei definiu a quem se destina:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A LBI trouxe inúmeras novidades, especialmente na área da saúde, educação, administração pública, esporte, trabalho, assistência social, transporte e previdência, de modo que, antes de analisarmos as condutas que a LBI tipifica como crime, oportuno apontarmos algumas das inovações trazidas por essa lei que, segundo dados do IBGE, quando de sua entrada em vigor em 2015 beneficiou 45 milhões de pessoas.
CAPACIDADE CIVIL
A LBI revogou artigo do Código Civil que considerava absolutamente incapazes as pessoas que não possuíam discernimento para a prática de atos da vida civil em razão de doença ou deficiência mental, permitindo às pessoas com deficiência o direito de que venham a se casar ou a constituir união estável, exercendo direitos sexuais e reprodutivos em igualdade de condições com as demais pessoas.
Trouxe a lei, ainda, a possibilidade de que a pessoa com deficiência faça uso da tomada de decisão apoiada, elegendo até duas pessoas idôneas de sua confiança para que delas receba auxílio ao necessitar tomar decisões sobre atos jurídicos (como a compra e venda de bens e a obtenção de empréstimo, por exemplo).
Nessa seara, a lei também alterou significativamente direitos e deveres referentes à curatela.
AUXÍLIO-INCLUSÃO
Esse benefício assistencial garante à pessoa com deficiência moderada ou grave que tenha condições de exercer atividade remunerada no mercado de trabalho o enquadramento de segurada obrigatória do Regime Geral de Previdência Social. Assim, a pessoa com deficiência é estimulada a obter colocação profissional sem que tenha a preocupação de perder o recebimento do benefício de prestação continuada assegurado pelo Governo. Nesse contexto, as pessoas receberão o benefício enquanto estiverem empregadas.
INCLUSÃO ESCOLAR
A lei trouxe maior oferta junto ao sistema educacional, assegurando a inclusão das pessoas com deficiência em todas as modalidades e níveis de ensino, consoante suas necessidades de aprendizagem, interesses e possibilidades.
Cabe ao Poder Público implementar projeto pedagógico que atenda em condições de igualdade os estudantes com necessidades especiais, contribuindo para a conquista e o exercício da sua autonomia.
ATENDIMENTO PRIORITÁRIO
A LBI procura garantir que a pessoa com deficiência tenha direito a atendimento prioritário em serviços públicos específicos, sem prejuízo do atendimento preferencial já previsto em outras leis, como nas filas em estabelecimentos comerciais, por exemplo.
Exemplos desse tratamento prioritário são a restituição de imposto de renda e a tramitação processual em processo judicial.
CULTURA, ESPORTE, TURISMO E LAZER
Com a lei vieram ferramentas visando assegurar às pessoas com deficiência o acesso às atividades culturais e esportivas, inclusive monumentos, locais de destaque cultural e histórico.
Além da questão de acessibilidade e eliminação de barreiras físicas, a LBI impõe ao Poder Público o dever de fomentar atividades culturais, artísticas, intelectuais, esportivas e recreativas contando com a participação de pessoas com deficiência em grau de protagonismo.
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A LBI determinou a alteração da lei que dispõe sobre as sanções aplicáveis em caso de prática de atos de improbidade administrativa, punindo o agente público que deixa de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação. A penalidade pode chegar à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, dentre outras.
Houve ainda a criação do Cadastro Nacional da Pessoa com Deficiência (Cadastro-Inclusão), um registro público eletrônico que se destina a reunir dados georreferenciados que permitam a identificação e caracterização socioeconômica das pessoas com deficiência e das barreiras que impedem a realização dos seus direitos.
CRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS
A DISCRIMINAÇÃO, O ABANDONO E A EXCLUSÃO
Finalmente adentrando a um dos temas que dão título a esse artigo, na seara penal a LBI criminalizou certas condutas que podem prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência. Vamos a elas:
Quanto ao crime de discriminação, importante pontuar que a conduta do agente não se confunde com racismo, tampouco com injúria racial. O objetivo do agente não é ofender a honra subjetiva da vítima (o que se dá na injúria, através de xingamentos), mas sim discriminar, separar, segregar, colocar à margem. Exemplo desse crime é se negar a frequentar certo ambiente ou conviver com pessoa com deficiência. A diferença entre as condutas é relevante na medida em que na injúria, a ação penal depende de representação do ofendido, ao passo que o crime de discriminação previsto na LBI, contrariamente, é de ação pública incondicionada, nada se exigindo da vítima para que o Estado exerça seu papel punitivo contra o ofensor.
CONQUISTAS ADICIONAIS
A lei tornou obrigatório o acesso para as pessoas com deficiência aos sites mantidos por empresas com sede ou representação comercial no Brasil ou por órgãos de governo, garantindo-lhes informações disponíveis conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente.
Determina ainda a lei que cabe ao poder público incentivar a oferta de aparelhos de telefonia fixa e móvel celular com acessibilidade que, entre outras tecnologias assistivas, possuam possibilidade de indicação e de ampliação sonoras de todas as operações e funções disponíveis.
Preconiza a lei que os serviços de radiodifusão de sons e imagens permitam legenda oculta, janela com intérprete de Libras e audiodescrição, além de outras tecnologias.
Por fim, importa lembrar que, segundo a lei, o Poder Público deve adotar mecanismos de incentivo à produção, à edição, à difusão, à distribuição e à comercialização de livros em formatos acessíveis, inclusive em publicações da administração pública ou financiadas com recursos públicos, com vistas a garantir à pessoa com deficiência o direito de acesso à leitura, à informação e à comunicação, considerando-se formatos acessíveis os arquivos digitais que possam ser reconhecidos e acessados por softwares leitores de telas ou outras tecnologias assistivas, permitindo leitura com voz sintetizada, ampliação de caracteres, diferentes contrastes e impressão em Braille. Encerramos esse artigo com a expectativa de divulgar informações sobre a Lei Brasileira de Inclusão, cuja aplicação e respeito dependem não só do Poder Público, mas sim de toda a sociedade. Portanto, cabe-nos atentar para que a lei atinja seus objetivos, sendo certo que uma providência ao alcance de todos é denunciar qualquer tipo de discriminação contra as pessoas com deficiência, que merecem viver em padrão de igualdade e inclusão, exercendo direitos e deveres como os demais cidadãos.
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