O marketing digital é, sem dúvida, uma das áreas com maior crescimento nos últimos tempos, afinal, o mundo dos negócios finalmente entendeu que o digital veio para ficar, deixou de ser o novo, passou a ser o necessário, o normal.
Um dos fatores que fizeram o marketing digital decolar de vez foi a pandemia da COVID-19, momento em que as empresas que até então não faziam negócios pela WEB migraram rapidamente para o meio digital, ou no mínimo procuraram se adequar à realidade, até mesmo como forma de sobrevivência dos seus negócios.
O mundo corporativo é bastante competitivo e a internet não apenas acirrou tal competitividade, como também criou espaço para que a concorrência agisse, inclusive de forma desleal. Buscando uma fatia do mercado, não raramente vemos algumas empresas tentar pegar carona no sucesso de grandes players, negócios consolidados no meio digital há bastante tempo. Já outras, simplesmente “jogam sujo”, demonstrando que o céu é o limite quando se trata de concorrência desleal, prática que igualmente ocorre no mundo virtual.
Para exemplificar a concorrência desleal e os desdobramentos jurídicos por detrás das telas, abordaremos um caso julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que ilustra, de forma perfeita, essa prática desonesta.
Concorrência desleal no digital
Uma empresa que atua no segmento de emissão e comercialização de certificados digitais[1] foi surpreendida ao pesquisar seu próprio nome no Google e se deparar com nomes de empresas concorrentes ocupando as primeiras posições, com anúncios patrocinados, com nomes totalmente diferentes do próprio nome da empresa que fez a pesquisa (autora da ação).
Para que isso fosse possível, ou seja, para que as concorrentes ocupassem as primeiras posições no resultado da pesquisa do Google com o nome de empresa diversa (que acionou o Judiciário), foi constatado que as empresas se utilizaram do nome da empresa autora da ação judicial como palavra-chave para fazer anúncios e captar os consumidores. Um detalhe importante e no mínimo muito curioso é o fato de que a empresa autora da ação também é anunciante no sistema de publicidade Google Adwords, motivo pelo qual a subsidiária brasileira da gigante da California fundada por Larry Page e Sergey Brin também integra o quadro de réus do processo[2].
De forma resumida, as empresas rés alegaram ausência de violação de direito de marca e que não praticaram concorrência desleal.
Em sua defesa, o Google alegou que os anunciantes detêm total controle e poder discricionário, bem como que, não havendo exteriorização da marca no anúncio, não há violação marcária e concorrência desleal no Google Ads.
Em primeira instância a ação foi julgada improcedente. Para o juiz, não houve qualquer violação, concorrência desleal, tendo destacado que não havia provas de que as rés se utilizaram do nome da autora como palavra-chave de seus anúncios.
Como fundamentação da sentença, o juiz afirmou que “não se há falar em deslealdade ou ilicitude na conduta das rés, porque respaldadas nos princípios constitucionais da atividade econômica, notadamente no da livre concorrência e no da defesa do consumidor (art. 170, CF)”
E concluiu sua decisão da seguinte forma: “não havendo concorrência desleal ou violação marcária, não há ato ilícito e, consequentemente, responsabilidade das requeridas”.
Inconformada com a improcedência da ação, a autora recorreu da decisão ao TJSP.
Em segunda instância veio a reviravolta: a sentença foi reformada e a ação julgada procedente, o que nos pareceu um desfecho mais adequado.
Logo de início, o desembargador relator, Dr. Cesar Ciampolini, demonstrou entendimento totalmente diverso do juiz que havia sentenciado pela não concorrência desleal.
“Restaram demonstradas, na hipótese, a violação de marca e a prática de concorrência desleal, em função do uso parasitário pelas apeladas do termo Polomasther, componente da marca da apelante, beneficiando-se da reputação e do prestígio construído por sua titular.”
Para afastar o argumento do juiz de primeira instância de que não havia provas que as rés utilizaram o nome da autora para fazer anúncios, o relator destacou que restou devidamente comprovado que as rés utilizaram o termo “Polomasther” como palavra-chave, cuja prova se deu por ata notarial, pesquisa feita pelo próprio juiz de primeira instância e prestação de informações pelo Google em sua contestação, onde declarou que “a Autora sabe quem seriam os anunciantes que supostamente utilizaram indevidamente da sua marca para acionamento dos seus respectivos anúncios. Tanto é que todos (ou quase todos) estão incluídos no polo passivo da ação principal”.
O relator enfatizou que as partes rivalizam pela mesma clientela, além de haver semelhança entre as mercadorias, daí a probabilidade de confusão no mercado consumidor dos serviços oferecidos pela autora/apelante, pois informou que percebeu uma queda acentuada nas vendas.
Para reforçar o uso do termo utilizado “ato parasitário”, o magistrado trouxe a lição de Alberto Luís Camelier da Silva:
“O aproveitador busca de alguma forma obter vantagens, sem muito esforço, utilizando fama e prestígio angariados por determinada marca ou nome empresarial, associando a sua marca de alguma forma àquela, buscando assim locupletar-se.” (Concorrência Desleal Atos de Confusão, pág. 89)
O relator destacou que o Tribunal Paulista tem entendimento pacífico sobre o caso, de forma que foi editado enunciado sobre o tema para orientar a jurisprudência de casos semelhantes, qual seja:
Enunciado XVII/Grupo de Câmaras Empresariais-TJSP:
“Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, dotada de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet.”
Ademais, a violação marcária e a prática de concorrência desleal devem ser sancionadas de forma solidária.
Com relação ao Google, o relator destacou que ao celebrar contrato de prestação de serviço com as rés, o Google tomou inequívoco conhecimento do uso de marca alheia. “Tal prática de concorrência desleal permitiu-lhe obter lucro, sem autorização do titular da marca, violando sua propriedade industrial.”
Ainda sobre o Google, o relator enfatizou a responsabilidade da empresa, vez que ela poderia agir com elementar diligência, exigindo a apresentação de registro no INPI daqueles que pretendam utilizar marca como palavra-chave de busca. Opera mecanismo eficientíssimo de busca, que lhe propicia lucros estratosféricos mundo afora, sendo nosso país mercado para si relevante, como é público e notório, poderia muito bem precatar-se, para evitar lesão a direitos alheios.
As rés foram proibidas de utilizar o nome da autora como palavra-chave para promover seus anúncios, condenadas solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00, danos materiais que deverão ser apurados na fase de liquidação de sentença, além de honorários advocatícios de 20% do valor da causa para os patronos da autora e o pagamento de custas processuais.
Conclusão
Mais um caso que deixou claro que a internet não é “terra de ninguém”! O digital ampliou horizontes e exige, por isso, sagacidade de todos que atuam em seu meio, mais ainda dos julgadores que diariamente se deparam com ocorrências virtuais que demandam técnica e visão do alcance de determinado ato que pode ser caracterizado como crime, com consequências no mundo físico ! A concorrência desleal, independentemente do meio empregado, é vedada, de forma que seus violadores respondem por tal ato, que a propósito, é considerado crime.
[1] Certificado Digital é uma ferramenta de segurança eletrônica que garante a autenticidade e a integridade de documentos eletrônicos.
[2] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Proc. nº 1092907-36.2021.8.26.0100 – O processo encontra-se em prazo para recurso, ou seja, o acórdão recente está sujeito a recurso de ambas as partes. Todavia, ao subir as instâncias rumo ao STJ ou STF as matérias possíveis de alegação se afunilam e se sobressaem os aspectos teóricos e técnicos, em detrimento dos fáticos. Vamos aguardar o resultado final, porém com a lição que ficou do entendimento do colegiado do TJSP.
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