Inquilino pode ser obrigado a desocupar imóvel antes do prazo final da locação?
Em decisão recente[1], publicada hoje (20/04/2022), o Juiz de Direito Vinicius Nocetti Caparelli, do Juizado Especial Cível de Santa Fé do Sul/SP, julgou parcialmente procedente a ação movida por um ex-inquilino em face do locador que, de forma unilateral, decidiu rescindir antecipadamente o contrato de locação.
Entenda o caso
O ex-inquilino alegou que firmou contrato de locação para fins residenciais com o locador, tendo como início 10/11/2021 e fim previsto para 10/11/2022, portanto, um contrato com duração de 12 meses.
Ocorre, porém, que o locatário foi surpreendido com uma notificação do locador no dia 16/12/2021, pouco mais de um mês de vigência do contrato, determinando a desocupação do imóvel no prazo de 30 dias, sob o argumento de que o imóvel seria destinado para seu uso próprio.
Pode o locador em ato estritamente unilateral rescindir o contrato de locação e exigir a devolução do imóvel antes do prazo previsto no contrato?
Para responder a essa pergunta, assim como realizado pelo juiz do caso, faz-se necessário verificar o que dizem alguns artigos da chamada Lei do Inquilinato, Lei nº 8.245/1991.
Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
[…]
Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:
I – por mútuo acordo;
II – em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
III – em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;
IV – para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti – las.
[…]
Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:
I – Nos casos do art. 9º;
II – em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego;
III – se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio;
Dessa forma, logo de cara podemos extrair do texto da lei uma regra básica: o locador não poderá reaver o imóvel antes do prazo contratado. Por outro lado, o locatário sim, poderá devolvê-lo antecipadamente desde que pague a multa estipulada, devendo haver a dispensa da multa se o fato decorrer de transferência em razão do emprego.
Somada a essa regra, alguns desdobramentos são naturais e decorrem da lei:
a) o locador não pode reaver o imóvel durante o prazo previsto em contrato sem um justo motivo;
b) não sendo o caso das hipóteses previstas no art. 9º, o prazo pactuado em contrato deveria ser respeitado;
c) a rescisão do contrato para uso próprio do locador, tal como foi por ele alegado, somente poderia ter ocorrido após o fim do prazo estipulado, que, no caso dos autos, era de 12 (doze) meses, tendo ocorrido a sua prorrogação automática por prazo indeterminado, tudo em conformidade com o previsto no art. 47, III, da Lei n. 8.245/1991.
Na situação ocorrida, o juiz destacou a gravidade do ato praticado pelo locador:
“O requerente mudou-se de Campo Limpo Paulista, cidade a aproximadamente 600km de Santa Fé do Sul, provavelmente com planejamento prévio, inclusive quanto à nova morada.
Então, 21 (vinte e um) dias depois de ocupar o imóvel, ou seja, menos de um mês, recebeu uma notificação para desocupá-lo, sendo colocado ainda que, caso não o fizesse no prazo de 30 (trinta) dias, seria ajuizada a competente ação judicial visando a retomada coercitiva.
Além de agir em completa desconformidade com a lei, a parte requerida ainda se valeu de modos de coerção intimidatórios e ilegítimos (considerando a falta de previsão legal para a rescisão antecipada imotivada).
Mais do que mero descumprimento contratual, mais do que inobservância da lei, houve falta de respeito, de empatia.
Os transtornos decorrentes do ato perpetrado pelos réus, portanto, ultrapassam qualquer limite tolerável, de modo que a reparação por danos morais é viável no caso em espécie”, concluiu o juiz.
A condenação
Reconhecendo a quebra do dever de lealdade, de cumprimento das expectativas e da confiança depositada, o juiz reconheceu a responsabilidade civil do locador em razão do dano moral e material causados ao locatário, impondo ao locador o dever de reembolsar os prejuízos tidos pelo locatário e fixando em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a compensação pelos danos morais por ele experimentados.
A pergunta que não quer calar!
E se, no caso, o contrato contivesse cláusula autorizando expressamente a retomada do imóvel antes do prazo pelo locador? Aliviaria a postura do locador?
Evidentemente que não ! Mesmo que o contrato contivesse cláusula nesse sentido, ela seria reconhecidamente contra a lei, portanto, nula, nos exatos termos do art. 45 da lei de locação.
Com isso, é importante ficar de olho e saber o que se admite ou não estar previsto nos contratos de locação e o que pode ser entendido como previsão contrária ao que chamam de “espírito da lei”.
É inafastável que a Lei do Inquilinato possui regras, penalidades e peculiaridades que devem ser conhecidas e sopesadas antes da assinatura do contrato, pelo que é recomendável a assessoria jurídica preventiva de acordo com a realidade e expectativa do interessado, esteja ele na posição de locatário ou de locador.
[1] 0000479-53.2022.8.26.0541
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