A pandemia do novo coronavírus trouxe imensos desafios para todos. Foi bem além das questões relacionadas à saúde e ao enfrentamento da doença.
A vida a dois já é desafiadora em situação normal. No confinamento, a relação de alguns casais se agravou, talvez devido ao fato da intensa convivência, mas independente do motivo, fato é que houve um grande aumento do número de divórcios.
Como se sabe, divórcios implicam em questões relacionadas à divisão dos bens do casal, pensão, visitação dos filhos e, até mesmo, guarda e convivência dos pets.
Diante deste cenário, abordaremos a história de um casal, cuja mulher, isoladamente, adquiriu um imóvel durante o namoro, celebrou casamento e se separou. Acontece que, em decisão conjunta o STJ[1] proibiu que o imóvel adquirido fosse objeto da partilha de bens, afastando a presunção de comunicabilidade do financiamento antes reconhecida pelo tribunal de origem.
Entenda os detalhes do caso
Uma mulher adquiriu um imóvel durante o namoro com um homem que viria a ser seu esposo. Foi utilizado capital exclusivamente da mulher para a aquisição do referido imóvel. Ela deu entrada e financiou o restante do valor em 360 parcelas.
Após um mês da aquisição do imóvel, os então namorados celebraram casamento em 01/04/2011, optando pelo regime da comunhão parcial de bens. A separação, de fato, do casal foi em 2013 e a decretação do divórcio em 30.06.2014.
O ex-marido sustentou que teria direito à divisão integral do imóvel, pois já namoravam e conviviam em união estável desde 2010 e ele contribuía com as despesas familiares.
Em contrapartida, a ex-mulher alegou que o ex-marido não participou com valor algum na entrada do imóvel, tampouco contribuiu para as parcelas do financiamento, requerendo a incomunicabilidade do bem.
Diante do impasse do ex-casal, o caso foi parar no Judiciário.
O julgamento no TJ de Minas Gerais
O juiz reconheceu que o ex-marido não contribuiu e não teria direito à partilha do valor pago como entrada, impostos ou emolumentos, pois a aquisição foi feita anteriormente ao casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial de bens.
O ex-marido faria jus à partilha do percentual das parcelas do financiamento a contar da data do casamento até a separação de fato, ou seja, a ex-mulher deveria restituir metade do valor de todas as parcelas pagas ao longo do período em que permaneceram casados, até a separação de fato.
“(…) Observa-se ter a requerida, antes do casamento, utilizando-se de recursos próprios no valor de R$ 10.375,20, bem como de recursos da conta vinculada do FGTS, no valor de R$ 8.424,80, ou seja, no montante total de R$18.800,00 como entrada, restando financiado o valor de R$ 169.200,00 em 360 parcelas.
Frisa-se que nada há nos autos que comprove qualquer participação do autor para o pagamento dos valores utilizados como ‘entrada’ no apartamento, nem mesmo pagamentos de impostos ou emolumentos. Também não há comprovação de ter ele efetuado o pagamento de qualquer parcela do imóvel posteriormente à separação de fato.
Como o imóvel foi adquirido pela requerida antes do casamento, caberá ao autor apenas a partilha do percentual referente ao financiamento pago na constância do casamento até a separação de fato do casal, ou seja, de abril de 2011 a novembro de 2013, visto que, sob o regime de comunhão parcial de bens, a presunção é de que os pagamentos do financiamento se deram mediante esforço comum dos cônjuges nesse período (…)”
A mulher não concordou com a decisão do juiz que entendeu pela comunicabilidade das parcelas pagas do financiamento e recorreu ao STJ.
Entendimento do STJ
Para o relator, Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a decisão de primeira instância de incluir na partilha o valor das parcelas do financiamento destoou da jurisprudência do STJ e ofendeu o Código Civil:
Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento”.
Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.
“Salienta-se que o imóvel foi adquirido anteriormente à configuração da affectio maritalis, que retrata a manifesta intenção das partes constituírem uma família de fato. Na hipótese, o bem objeto da pleiteada partilha foi adquirido durante o namoro com recursos exclusivos da ora recorrente.
Desse modo, o recorrido não faz jus a nenhum benefício patrimonial decorrente do negócio jurídico, sob pena de a circunstância configurar um manifesto enriquecimento sem causa.
A recorrente arcou de forma autônoma e independente com os valores para a aquisição do bem, motivo pelo qual o pagamento de financiamento remanescente, assumido pela compradora, não repercute em posterior partilha por ocasião do divórcio, porquanto montante estranho à comunhão de bens.”
Não que discordemos do posicionamento firmado pelo STJ, mas, na nossa visão, a decisão aparentemente mais acertada talvez tenha partido do TJ de Minas Gerais. De todo modo, não significa que o entendimento do STJ não poderá vir a ser alterado com o julgamento de casos semelhantes no futuro.
O que fica é o alerta de que a situação acima bem demonstra a necessidade de documentar e comprovar os negócios firmados durante o namoro, a união estável e o casamento; atestando de forma clara a origem do valor utilizado para a aquisição de bens. Principalmente durante o namoro e a união estável não registrada por escritura, situações informais, mas que podem estar acompanhadas de negociações relevantes, vindo a ser objeto de discussão, em especial quando a causa é o término do relacionamento.
[1] REsp Nº 1.841.128 – MG (2019/0067425-0)
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5 Comments
Detalhe: imóvel discutido abaixo foi financiado como solteiro dois meses antes do casamento e não houve união estável antes da aquisição financiada.
Situação peculiar: e se o ex-marido se recusa a sair da casa financiada em nome exclusivo da ex-mulher? Sendo que apenas a ex-mulher vem pagando as prestações mesmo sem morar no imóvel ? Ainda não houve sentença, somente homologação parcial decretando o divórcio. Cabe ação autônoma para arbitramento de aluguéis liminarmente ?
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Boa tarde! Uma dúvida, por favor! Poderiam esclarecer? E se a convivente PROVA que os alugueres do bem particular (apto adquirido por ela quase 10 anos antes da união estável) eram usados para quitar o próprio IPTU e o financiamento deste apto? Quer dizer, ela não usou dinheiro do casal (dela ou dele) para pagar nada deste bem particular, mas ele mesmo SE PAGOU com os alugueres que ela recebia dele. Mesmo assim ela precisa devolver para o outro cônjuge, na dissolução da união, 50%??? OBRIGADA!!!!
Boa Tarde, Erika,
É preciso analisar as peculiaridades de cada caso concreto para uma recomendação com segurança jurídica. Recomendamos que você consulte um advogado de sua confiança para análise criteriosa dos fatos e documentos sobre o caso.