Não é novidade quão engenhosos são os criminosos quando se trata de adotar novos métodos para obter vantagem sobre as vítimas, não é mesmo?
Mas, o que nem todos sabem é que a pandemia da covid-19 acabou por “ajudar” os criminosos, impulsionando os golpes, na medida em que passamos mais tempo on-line, realizamos mais transações digitais, sejam elas junto às instituições financeiras ou compras pela internet, por vezes atraídos por ofertas tentadoras para sites falsos, por exemplo.
Segundo dados divulgados pela FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos), no período de isolamento social, os bancos registraram aumento de 80% nas tentativas de ataques de phishing, alta de 70% na fraude do falso funcionário e crescimento de 65% no golpe do motoboy, mostrando-se o quanto a tipificação para o crime digital em maio de 2021 foi necessária para coibir delitos, aumentando a relação de crimes vinculados ao estelionato[1].
O GOLPE
MODO DE OPERAÇÃO DOS CRIMINOSOS
O golpe, apesar de apelidado como sendo “do motoboy”, não se refere exatamente a ato ilícito praticado, de modo exclusivo, pelos entregadores. O motoboy ganhou a fama, pode-se assim dizer, por participar de uma das fases da engenharia do crime, qual seja, a retirada do cartão cancelado, conforme será explicado a seguir.
O golpe, de modo geral, inicia-se com uma ligação de um suposto funcionário do banco, que munido de dados pessoais do cliente age de forma convincente, afirmando que o cliente teve o cartão clonado. Nesse momento a vítima assustada acaba seguindo os passos sugeridos pelo criminoso, que informa que é preciso bloqueá-lo.
Com o intuito de passar confiança e verossimilhança das informações, o golpista orienta o cliente a cortar o cartão ao meio e pedir um novo pelo atendimento eletrônico. Ato contínuo, o falso funcionário pede ao cliente que digite a senha no telefone e fala que, por segurança, um motoboy irá buscar o cartão para uma perícia.
Ocorre que mesmo cortado ao meio o chip do cartão permanece intacto, sendo possível realizar diversas transações, haja vista que o golpista possui as informações pessoais, bancárias, a senha e conseguiu ter acesso físico ao cartão.
A DOR DE CABEÇA ESTÁ SÓ COMEÇANDO
Os criminosos, ardilosos e sorrateiros, passam a realizar transações o mais rápido possível para que o cliente não tenha tempo de perceber que foi vítima de um golpe, tampouco contate a instituição bancária para informar o ocorrido, o que na maior parte dos casos só ocorre após um significativo prejuízo.
Além da enorme frustação por ter sido vítima de uma prática criminosa, o cliente se vê em situação complicada ao tentar o ressarcimento do prejuízo junto ao banco.
O QUE OS BANCOS ALEGAM AO CLIENTE VÍTIMA DO GOLPE
De modo geral, as instituições bancárias alegam que tomam todas as cautelas necessárias para evitar ocorrência de fraude, de forma que não podem ser responsabilizadas pelos prejuízos resultantes do golpe sofrido pelo cliente, em especial pelo fato de não terem contribuído para tal prática. Além disso, imputam a culpa exclusivamente à vítima por disponibilizar seus dados pessoais aos fraudadores e que, em razão de inexistência de culpa ou dolo não há que se falar em ressarcimento.
E AGORA, DEVO FICAR NO PREJUÍZO?
O entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP).
Com a negativa do banco ao ressarcimento dos prejuízos experimentados pelo cliente/vítima, surgem duas hipóteses:
1ª – Prejuízo total do cliente/vítima – a vítima simplesmente aceita ficar no prejuízo e não buscará os seus direitos;
2ª – A vítima tem prejuízo e resolve ingressar com ação judicial contra a instituição bancária buscando ser ressarcido dos prejuízos, haja vista que o golpista se utilizou de informações pessoais e bancárias do cliente que não deveriam estar em sua posse.
Frente a essa segunda hipótese, o tribunal paulista tem três posicionamentos, sendo que existe forte tendência de decisões favoráveis ao consumidor, reconhecendo o direito à indenização por danos materiais e morais.
Citamos abaixo alguns exemplos dessas interpretações diferentes:
Procedente – entendimento predominante do TJ/SP, onde a maioria das decisões reconhece a responsabilidade das instituições financeiras, aplicando o Código de Defesa do Consumidor, com base no artigo 14, ao reconhecer a falha na prestação de serviço, haja vista que na maior parte das vezes, com o golpe, ocorrem transações sequenciais que fogem totalmente do perfil do cliente/vítima, sendo responsabilidade do banco identificá-las e impedi-las. Somado a isso, em muitos casos ocorre o vazamento de dados do cliente ou mesmo a obtenção dos dados por hackers, de forma que é reconhecida a responsabilidade da instituição financeira, que é condenada em danos materiais e morais.
REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. Fraude bancária. Estelionatários que se apropriaram ardilosamente do cartão de crédito do autor e da sua senha e realizaram transações em seu nome. “Golpe do motoboy”. Fato incontroverso. Culpa de terceiro. Irrelevância. Fortuito interno. Súmula 479 do STJ. Responsabilidade civil do banco réu configurada. Culpa exclusiva da consumidora. Incorrência. Negligência do banco réu, que permitiu a realização de transações vultosas fora do perfil da autora. Hipótese de culpa concorrente das partes incapaz de afastar a responsabilidade civil do banco pelo defeito de segurança na prestação do serviço. Integralidade do crédito inexigível. Dano moral in re ipsa. Dever de reparar. Quantum reparatório fixado em R$ 10.000,00. Razoabilidade e proporcionalidade. Sentença reformada. Recurso do réu não provido. Recurso do autor provido. (TJSP; Apelação Cível 1085254-85.2018.8.26.0100; Relator (a): Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 25ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/08/2021; Data de Registro: 06/08/2021)
Ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com pedido de indenização por danos materiais e morais. Golpe do motoboy. Operações realizadas por terceiro com o uso de cartão da autora. Falha na prestação do serviço configurada. Operações incompatíveis com o perfil da consumidora. Descumprimento do ônus probatório pelo banco e que implica em sua responsabilidade no tocante à reparação por danos materiais e morais. Súmula nº 479 do STJ e art. 14 do CDC. Vulnerabilidade da consumidora, idosa, inconteste e que implica na condenação do banco a tal título. Precedente análogo na Câmara. Parcial procedência da ação mantida. Recurso, do banco, parcialmente provido apenas para reduzir o valor de sua condenação por danos morais. (TJSP; Apelação Cível 1009495-09.2020.8.26.0048; Relator (a): Luis Fernando Camargo de Barros Vidal; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Atibaia – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/08/2021; Data de Registro: 09/08/2021)
Apelação. Ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com indenização por dano moral. “Golpe do motoboy”. Realização de operações não reconhecidas pela autora. Falha na prestação de serviços. Débito inexigível. Dano material existente, a delimitado em oportuna liquidação. Dano moral. Ocorrência. Quantum arbitrado em R$3.000,00. Recurso da autora parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1005551-32.2020.8.26.0037; Relator (a): Roberto Mac Cracken; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/08/2021; Data de Registro: 06/08/2021).
Parcialmente procedente – nesse caso o Poder Judiciário reconhece a culpa concorrente, ou seja, entre a vítima que forneceu a senha e o cartão e a instituição financeira. Assim, o banco é condenado ao ressarcimento de metade dos danos materiais sofridos, mas não é condenado ao pagamento de indenização por danos morais.
APELAÇÃO – GOLPE DO MOTOBOY – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – RECURSO DA CASA BANCÁRIA DEMANDANDADA. 1. DANOS MATERIAIS – Argumentos que, em parte, convencem – Golpe do Motoboy – Culpa concorrente da consumidora e da instituição financeira – Requerida que sai condenada ao ressarcimento de metade do prejuízo material sofrido pela parte autora. 2. DANOS MORAIS – Dever de indenizar não caracterizado – Conduta da autora que foi causa eficiente dos danos – Precedente desta C. Câmara. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJSP; Apelação Cível 1011855-95.2017.8.26.0152; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cotia – 3ª Vara Civel; Data do Julgamento: 28/05/2019; Data de Registro: 04/06/2019)
Improcedente – reconhece a culpa exclusiva da vítima, vez que foi ela quem forneceu a senha pessoal e o cartão aos golpistas. Neste caso não há condenação para a instituição financeira.
CONTRATO. CONTA CORRENTE. GOLPE DO MOTOBOY. ENTREGA DE SENHA E CARTÃO. DANO MATERIAL E MORAL. 1. Os autores não negaram que teriam entregado senha pessoal e cartão a bandidos, engambelados por golpe já conhecido há anos (golpe do motoboy). 2. Tendo em vista a culpa exclusiva da vítima, não se verifica responsabilidade do réu. 3. Observando-se que a sentença não deve ser reformada, porquanto irretocável sua análise dos fatos e fundamentação, possível a confirmação do resultado, ratificando aqueles fundamentos, nos termos do art. 252 do Regimento Interno desta Corte. 4. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1006411-71.2020.8.26.0477; Relator (a): Melo Colombi; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Praia Grande – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/12/2020; Data de Registro: 10/12/2020)
O assunto é controverso!
Portanto, a despeito dos diferentes entendimentos sobre o tema, tem-se mostrado prevalente o posicionamento favorável ao ressarcimento do prejuízo do consumidor. Por certo que as especificidades de cada caso concreto serão consideradas na equação que traz a atuação do banco e a postura do cliente como forma de identificar o que foi decisivo para a ocorrência.
NÃO CAIA NO GOLPE
Fique atento!!!
Segundo informação da FEBRABAN, nenhum banco pede o cartão de volta ou envia portador para retirá-lo junto aos seus clientes.
Dessa forma, antes de qualquer providência induzida por golpistas, mantenha a calma, desligue a chamada e procure telefonar para o número correto do banco, preferencialmente de outro aparelho, para verificar se realmente há alguma irregularidade com o seu cartão.
Se infelizmente você foi vítima deste golpe, recomendamos que procure um advogado de sua confiança, que deverá analisar cuidadosamente o seu caso e, se cabíveis, adotar as medidas necessárias para fazer valer o seu direito como consumidor.
Entre em contato conosco!