Em 2017 escrevemos aqui no blog sobre a relação da carteira de habilitação (CNH) vencida ou suspensa com a negativa de ressarcimento pela seguradora no caso de acidente automobilístico. Se você não tiver lido nosso artigo, que até hoje é um dos mais acessados, clique aqui.
Para atualizar nossos leitores sobre essa pauta, voltamos ao assunto trazendo decisões judiciais recentes que estabelecem os direitos do segurado dependendo de como os fatos aconteceram.
Abordaremos o seguro facultativo, contratado pelo proprietário do veículo no mercado privado e o seguro obrigatório DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não), criado pela Lei n° 6.194/74, em decorrência de morte, invalidez permanente ou despesas de assistência médica e suplementar em acidente de trânsito.
Alegação das seguradoras
A apólice de seguro possui cláusula de exclusão de cobertura na hipótese de condução de automotor com CNH vencida ou cassada.
O que diz a lei
O artigo 768 do Código Civil dispõe que o segurado perderá o direito à garantia se agravar, intencionalmente, o risco objeto do contrato.
Em outras palavras, para que a seguradora se exima da indenização, deve ser demonstrado algum comportamento intencional do motorista de agravar o risco contratado. É necessário, também, que tal conduta tenha sido condição determinante para a colisão do veículo ou para o agravamento das consequências do sinistro.
O artigo 162 do Código de Trânsito Brasileiro prevê penalidades e medidas administrativas para infrações como dirigir o veículo sem possuir CNH (Carteira Nacional de Habilitação); com CNH ou permissão para dirigir cassada ou com suspensão para dirigir; vencida há mais de 30 dias.
Logo, trata-se de infração administrativa.
Recentíssimas decisões judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre casos reais de negativa das seguradoras e o seu acionamento na Justiça pelos segurados:
1º CASO:
APELAÇÃO – AÇÃO DE COBRANÇA – SEGURO FACULTATIVO DE VEÍCULO – Veículo, no momento do acidente, conduzido por pessoa com habilitação vencida – Negativa da seguradora em indenizar, com base em excludente de responsabilidade – Impossibilidade – Entendimento pacífico na Jurisprudência de que a falta de habilitação constitui mera infração administrativa e, por si só, não é suficiente para afastar o dever de indenizar – Eventual agravamento do risco pelo segurado não demonstrado – indenização devida e que deve corresponder ao valor do veículo previsto na Tabela FIPE na data do acidente, com correção monetária desde então – Art. 7º, § 2º, da Circular nº 269/2004, da SUSEP – (…)– Recurso provido. (TJSP, Apelação1003466-86.2017.8.26.0681, Relator(a): Hugo Crepaldi, Comarca: Louveira, Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 29/05/2020 e Data de publicação: 29/05/2020)
(…)
Conforme entendimento pacificado no Colendo Superior Tribunal de Justiça, a ausência de habilitação legal para conduzir veículo constitui mera infração administrativa e não configura, por si só, agravamento do risco. Desse modo, não é causa suficiente para afastar o dever de indenizar da seguradora. (…)
Fica claro que o Tribunal de Justiça de São Paulo reforça o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça sobre a ausência de habilitação do segurado para dirigir veículo configurar mera infração administrativa prevista no Código Brasileiro de Trânsito.
Além do mais, se não for comprovado vínculo entre o acidente e a falta de habilitação para dirigir veículo automotor ou que a conduta do segurado concorreu diretamente para a ocorrência do sinistro, não há agravamento intencional de risco como excludente de indenização securitária.
2º CASO:
SEGURO DE AUTOMÓVEL – Ação indenizatória – O autor envolveu-se em acidente de trânsito, na direção de veículo automotor, recusando-se ao teste do ‘bafômetro’, sendo anotado no auto de infração que exalava odor etílico – Constatou-se também na ocasião que tinha a CNH com efeitos suspensos – A apólice firmada, com respaldo no art. 768 do Código Civil, prevê a perda da garantia por estas infrações – Observou a sentença proferida, ainda, versão contraditória dele sobre a causa do acidente, ocorrido em estrada bem pavimentada e sinalizada e que se desenvolve em reta, acabando o veículo por se chocar contra canaleta de água pluvial existente após o acostamento da pista – Improcedência da ação mantida – Recurso improvido (TJSP, Apelação 1007442-30.2018.8.26.0079, Relator(a): Caio Marcelo Mendes de Oliveira, Comarca: Botucatu, Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 18/02/2020, Data de publicação: 18/02/2020)
Aqui estamos diante de uma dinâmica diferente. Embora a CNH estivesse suspensa, conforme explicado acima, por si só não seria motivo para eximir a seguradora da indenização. Pela análise dos fatos em 1ª e 2ª Instâncias, ficou comprovado que o motorista, além de embriagado ao volante, agiu com imperícia e imprudência na condução do veículo, concorrendo diretamente para a ocorrência do sinistro.
Logo, em razão da prova de que o veículo segurado foi conduzido por pessoa embriagada e que o sinistro ocorreu devido ao estado do condutor, foi admitida a exclusão da cobertura securitária pelo voluntário agravamento de risco.
3º CASO:
Seguro Dpvat. Ação de cobrança julgada parcialmente procedente. O fato de a vítima ser proprietária do veículo e conduzi-lo sem habilitação não inviabiliza o pagamento da indenização, posto tratar-se somente de infração administrativa. Inadimplemento do prêmio de seguro obrigatório, à época do acidente, não exime a seguradora de cumprir sua obrigação. Questão que se encontra pacificada com a edição da súmula 257 do e. STJ, segundo a qual, “a falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (Dpvat) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização“. (…), fazendo jus o autor à indenização de 70% do total da indenização. sentença mantida (TJSP, Apelação 1087583-07.2017.8.26.0100, Relator(a): Cristina Zucchi, Comarca: São Paulo, 34ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 04/02/2020, Data de publicação: 04/02/2020)
Para os casos de DPVAT o entendimento é o mesmo. A condução de veículo com carteira de habilitação vencida ou cassada constitui somente infração administrativa.
Aqui temos uma peculiaridade…
É abusiva a recusa da seguradora tanto pela circunstância da CNH, conforme já explicamos acima, quanto pelo argumento de que a vítima e proprietária do veículo, à época do acidente não havia efetuado o pagamento do prêmio do seguro obrigatório.
A súmula 257 do E. STJ é clara: “A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização”.
Fique atento!
É importante sempre documentar os fatos, sobretudo com fotos, boletim de ocorrência e testemunhas, a fim de comprovar que, independentemente da infração administrativa, a causa do acidente não teve relação direta com a conduta do motorista que eventualmente agravou o risco.
Em seguida, é necessário abrir o processo de sinistro junto à seguradora para análise dos documentos e, no caso de recusa expressa, tomar as medidas legais.
Concluindo, cláusulas em apólices de seguro de exclusão de cobertura que sejam contrárias ao Código Civil e ao Código de Defesa do Consumidor, colocando o proprietário do veículo segurado em desvantagem exagerada, são consideradas cláusulas abusivas e nulas de pleno direito.
Fique atento aos seus direitos e deveres!
Ficou com alguma dúvida ou teve o seu direito violado? Estamos à disposição para ajudá-lo.
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