Entenda o caso
No início dessa semana foi destaque nas redes sociais e na imprensa vídeo em que três estudantes de universidade particular da cidade de Bauru/SP debochavam de uma colega de sala. Motivou o lamentável deboche o fato de que a aluna desrespeitada tem mais de 40 anos, sendo ela, no triste entendimento das suas agressoras, muito velha para frequentar a faculdade de Biomedicina.
Difícil crer que “como desmatricula (sic) um colega de sala?”, “era para estar aposentada” e “acha que a professora é o google” foram proferidas com naturalidade pelas ofensoras, cuja conduta impactou a todos, gerando um coletivo sentimento de indignação.
A revolta não é para menos, afinal, o que leva “colegas” de classe a cometer tamanha maldade?
Como se não bastasse terem tido os preconceituosos pensamentos acima reproduzidos e sobre eles conversarem alegremente entre si, o que já é reprovável, compartilharam nas redes sociais sua prática maldosa, carregada de desdém, o que piora bastante a situação, expondo a vítima à humilhação.
A atitude fora praticada por três jovens universitárias, que têm plena consciência, ou no mínimo, deveriam ter, do alcance do vídeo nas redes sociais[1]. Tanto é que em questão de minutos o conteúdo viralizou, sendo visto por milhares de pessoas.
AS JOVENS UNIVERSITÁRIAS COMETERAM ALGUM CRIME?
O ato preconceituoso praticado pelas três jovens é um claro caso de discriminação em relação à idade, o chamado etarismo.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) o etarismo surge quando a idade é usada para categorizar e dividir as pessoas por atributos que causam danos, desvantagens ou injustiças, e minam a solidariedade intergeracional [2].
Inclusive, o Estatuto da Pessoa Idosa penaliza a discriminação com relação à idade.
Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade:
Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
§ 1o Na mesma pena incorre quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo.
O ato preconceituoso e discriminatório das jovens, embora não se enquadre no crime acima por não ter a vítima idade igual ou superior a 60 anos, pode fazer com que respondam pela prática de três outros crimes de acordo com a legislação penal: (i) difamação; (ii) injúria; ou (iii) violência psicológica contra a mulher.
Difamação
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Injúria
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Violência psicológica contra a mulher.
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
A VÍTIMA PODE SER INDENIZADA?
Sim, a exemplo do que já pontuamos em outros artigos, em se tratando da prática de crimes contra a honra, ou até mesmo nos casos de bullying, a vítima humilhada tem o direito à compensação pecuniária em decorrência do abalo psíquico de ordem moral.
Além da possível condenação a título de danos morais, a justiça pode condenar as jovens ao pagamento de tratamento psicológico da vítima, caso seja necessário, evidentemente, como ocorreu no caso da empresa aérea Qatar Airways[3]
Para ilustrar esse dever de reparação, trouxemos alguns casos julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
Apelação. Responsabilidade Civil. Dano moral. Ofensas proferidas em redes sociais. Injúria e difamação configuradas. Dano moral caracterizado. Indenização arbitrada em R$ 10.000,00. Arbitramento em sintonia com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença mantida. Recurso improvido.
(TJSP; Apelação Cível 1029916-24.2021.8.26.0100; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/11/2022; Data de Registro: 10/11/2022)
Apelação. Responsabilidade Civil. Dano moral. Ofensas proferidas em redes sociais. Injúria e difamação configuradas. Dano moral caracterizado. Indenização arbitrada em R$ 7.500,00. Arbitramento em sintonia com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença mantida. Recurso improvido.
(TJSP; Apelação Cível 1069740-90.2021.8.26.0002; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/02/2023; Data de Registro: 08/02/2023)
Reparação por danos morais com pedido cominatório. Alegação do Autor de ter sofrido ofensa em sua honra, em razão de postagens veiculadas pela Ré, na rede social Instagram. Autor que é médico e a ele foram atribuídas condutas irregulares. Imputações que caracterizam dano à personalidade. Dano moral caracterizado e arbitrado em R$ 5.000,00 mantido. Sucumbência estabelecida como prevalente à Ré. Recurso da Ré não provido e provido o recurso do Autor.
(TJSP; Apelação Cível 1003867-12.2022.8.26.0196; Relator (a): João Pazine Neto; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franca – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/12/2022; Data de Registro: 07/12/2022)
Respeito é a palavra de ordem e, sem dúvida, causa espanto saber que existem jovens, nascidos e crescidos na era digital, com pensamento tão limitante sobre o que alguém deve ou não fazer ao longo da sua própria vida, ainda mais em se tratando de aquisição de conhecimento, algo que não tem idade, tampouco prazo.
Igualmente chamou atenção o fato de que as agressoras e a vítima são mulheres, tendo as primeiras ignorado diversos conceitos, dentre eles a sororidade.
Sem se dizer que, tamanha a ignorância das agressoras que sequer devem notar que o número de universitários com idade acima de 40 anos triplicou entre 2012 e 2021, com alta de 171,1%, muito superior ao aumento do número geral de calouros, que variou 43,1% no mesmo período, de acordo com o Censo da Educação Superior, levantamento realizado pelo Ministério da Educação (MEC).
Certamente as jovens aprenderam (ou aprenderão!) a duras penas que a internet não é “terra de ninguém”, onde se pode falar o que bem se entender, livrando-se das consequências! Além de terem provado o gosto amargo do “Tribunal da Internet”, provavelmente sofrerão os efeitos da chamada cultura do cancelamento.
Já sob o ponto de vista do Poder Judiciário, além da possibilidade de enquadramento da conduta em crime, pode haver a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, dado o conteúdo do vídeo e seu alcance. Tudo dependerá, evidentemente, da iniciativa da ofendida em buscar os seus direitos e da responsabilização das universitárias.
As palavras não têm volta e se traduzem em objetos lançados que não podem ser parados, sendo que se pegarem carona em vídeos, stories, áudios e quaisquer outras ferramentas tecnológicas que sirvam para dar velocidade às vozes, o potencial ofensivo é imediato e altamente inflamável.
Respeito nunca foi tão necessário!
[1] Mesmo que as estudantes tenham feito uso do recurso que limita o alcance da publicação no Instagram (close friends), o fato é que o vídeo foi gravado e disponibilizado em plataforma digital.
[2] https://sbgg.org.br/oms-relatorio-mundial-sobre-o-idadismo-etarismo/
[3] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/12/20/justica-de-sp-determina-que-qatar-airways-pague-tratamento-psicologico-para-vitima-de-gordofobia-no-libano.ghtml
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