Antes de adentrarmos na novidade jurídica, importante destacar relevante estatística da Organização Mundial de Saúde (OMS), citada na decisão do Superior Tribunal de Justiça[1]:
“(…) Segundo a OMS, a obesidade é um dos mais graves problemas de saúde que temos para enfrentar. Em 2025, a estimativa é de que 2,3 bilhões de adultos ao redor do mundo estejam acima do peso, sendo 700 milhões de indivíduos com obesidade, isto é, com um índice de massa corporal (IMC) acima de 30.2.
No Brasil, essa doença crônica aumentou 72% nos últimos 13 anos, saindo de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019. A proporção de obesos na população com 20 anos ou mais de idade mais que dobrou no país entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%. Nesse período, a obesidade feminina subiu de 14,5% para 30,2%, enquanto a obesidade masculina passou de 9,6% para 22,8%.
Outro dado mostra que, em 2019, uma em cada quatro pessoas de 18 anos de idade ou mais no Brasil estava obesa, o equivalente a 41 milhões de pessoas. Já o excesso de peso atingia 60,3% da população de 18 anos de idade ou mais, o que corresponde a 96 milhões de pessoas, sendo 62,6% das mulheres e 57,5% dos homens.
A cirurgia bariátrica é comprovadamente o tratamento mais efetivo para portadores de obesidade grave, e o Brasil é o segundo país do mundo em número de cirurgias bariátricas; no último ano cerca de 70.000 pessoas foram submetidas a cirurgia; o crescimento anual da cirurgia bariátrica é de 5,7% ao ano. Com números crescentes da cirurgia bariátrica, que sabidamente aumenta a expectativa e a qualidade dos pacientes já operados, a demanda pelas cirurgias plásticas vem crescendo nos últimos anos (fls. 928/929) “
Diante desse cenário e considerando o número expressivo de processos idênticos, o cerne do recente recurso especial julgado pelo STJ foi definir teses sobre a obrigatoriedade de custeio pelos planos de saúde de cirurgias plásticas em pacientes pós-cirurgias bariátricas.
A cirurgia plástica reparadora tem como objetivo melhorar a qualidade e estender o tempo de vida do obeso, resolvendo os diversos problemas de saúde que o excesso de peso acarreta, como por exemplo, dermatites graves, infecções bacterianas, odores, desequilíbrios posturais, entre outras desordens de saúde física e mental. Normalmente são realizadas em mamas, abdômen, braços, coxas e face.
Na decisão judicial foi ponderado o fato da ANS – Agência Nacional da Saúde – ter incluído apenas dois procedimentos – dermolipectomia abdominal (substituída pela abdominoplastia) e diástase dos retos abdominais, no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde para o tratamento dos males pós-cirurgia bariátrica, sendo certo que existem outros procedimentos cirúrgicos de natureza reparadora.
Ainda foi pontuado que o SUS – Sistema Único de Saúde – já prevê diversos procedimentos cirúrgicos reparadores em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, pelo que a ANS já deveria ter atualizado seu Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
A seriedade do tema já levou os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro a fixarem súmulas:
“Súmula n° 97: Não pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de obesidade mórbida, havendo indicação médica.” (TJSP)
“Súmula nº 258: A cirurgia plástica, para retirada do excesso de tecido epitelial, posterior ao procedimento bariátrico, constitui etapa do tratamento da obesidade mórbida e tem caráter reparador.” (TJRJ)
Entretanto, a SBCBM – Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica – se manifestou alertando que em muitos casos há procedimentos requeridos de modo abusivo, que não se enquadram no conceito de cirurgia plástica reparadora. Sendo assim, exemplificou no processo (i) procedimentos que efetivamente se prestam a finalidades reparadoras; (ii) procedimentos que possuem finalidades apenas estéticas e (iii) procedimentos estéticos que podem se prestar a finalidades reparadoras para determinadas funções de partes do corpo. Ressaltou, ainda, para alguns casos, a necessidade de comprovação da finalidade por perícia médica especializada.
Resumindo, duas questões importantes precisavam ser sopesadas: de um lado, a existência de tantos outros procedimentos cirúrgicos de natureza reparadora além daqueles previstos no rol da ANS, por outro lado, a cautela para evitar a ampliação indiscriminada da cobertura pelos planos de saúde, o que tornou fundamental um posicionamento firme da Corte Superior que finalmente definiu as duas teses a seguir:
(i) é de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida,
(ii) havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador.
Significa dizer que os planos de saúde não podem recusar cirurgia plástica decorrente de bariátrica, desde que com finalidade reparadora, sendo certo que em casos de dúvidas relevantes sobre a natureza estética da cirurgia, a operadora poderá se utilizar da junta médica para avaliar a adequação da indicação clínica, sendo responsável pelo pagamento dos honorários dos profissionais.
Referida junta é composta por três profissionais da saúde: dois deles são indicados pelo plano de saúde e o terceiro é o profissional responsável pela indicação/execução do procedimento no beneficiário. Logo, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do beneficiário, este poderá, ainda, se socorrer ao Judiciário para a solução da controvérsia. O juiz, por sua vez, se entender preciso, poderá determinar a realização de perícia para valoração das provas.
Diante dessas particularidades jurídicas no processo de aprovação da sua necessidade médica junto ao plano de saúde, recomendamos que o beneficiário conte com um advogado especialista, de sua confiança, para orientação e defesa do seu direito à saúde.
[1] STJ, Recurso Especial 1870834 – SP (2019/0286782-1), Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, data do julgamento: 13/09/2023.
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