Aqui no blog, tal pauta é recorrente. Já falamos sobre bullying no ambiente escolar e sobre a punição a quem desrespeita o próximo. No primeiro artigo, inclusive, fizemos menção a outros dois textos autorais.
Então, já foi notícia aqui no blog que o Judiciário Paulista havia reconhecido a falha da escola na prestação dos seus serviços ao não vigiar de forma segura e ostensiva os seus alunos.
Agora, em recentíssimo julgado do TJ/SP[1], uma escola de Guarulhos teve confirmada a sua condenação por danos morais no valor de R$ 30 mil por ter sido omissa em resolver casos de bullying contra uma aluna.
A aluna ingressou com a ação de indenização por danos morais e materiais contra o colégio e alegou que este apenas adotou providências paliativas quando o bullying foi levado ao seu conhecimento.
Afirmou ser portadora da síndrome de Moebius e, por tal razão, vítima de discriminação, chacotas e exclusão, sendo que, em um dos episódios um grupo de alunos usou filtros de celular para deformar os próprios rostos, tendo como referência a aluna, com o objetivo de humilhá-la.
Por sua vez, o colégio negou o fato e apontou a ocorrência de mero aborrecimento.
Para a juíza, ficou absolutamente comprovada a ocorrência da discriminação e desrespeito à aluna no ambiente escolar, como também a falta de atuação efetiva dos educadores para reprimir as ocorrências, o que culminou com a mudança de escola por parte da vítima.
Em razão disso e como forma de “estimular a requerida a rever a sua política educacional para impedir os atos de indisciplina, notadamente no que se refere à relação de respeito com a figura do consumidor, somado àquela que detém condição especial”, a julgadora entendeu salutar a fixação de indenização no valor de R$ 30.000,00.
A escola não se contentou com a chamada que recebeu da juíza e com o fato de ter ficado explícita a sua postura inadequada.
Bateu às portas do TJ/SP e paradoxalmente recebeu uma verdadeira aula de como agir, em ricas vinte e duas páginas do acórdão que manteve a sua condenação.
O TJ/SP, em votação unânime, pesou a caneta na condenação na escola. Tamanho o inconformismo dos julgadores com a postura do estabelecimento de ensino no trato com o problema enfrentado pela aluna e com o processo enfrentado.
Em linhas e mais linhas, com trechos em caixa alta, inclusive, propagaram a importância do respeito à dignidade humana e a reprovação à atitude da escola que em sua defesa acabou por terminar de se autocondenar. Para se ter uma ideia, a atitude da escola em recorrer lhe rendeu ainda uma multa por litigância de má-fé.
Todas as escolas e instituições que lidam com alunos deveriam ter acesso ao julgado que traz preciosos ensinamentos de atuação em casos de bullying.
A postura da escola com relação ao vídeo em que alunos deturpam as imagens em alusão à aluna foi tão chocante para os desembargadores que em dois momentos destacaram esse assunto no julgamento. Isso porque a escola alegou que o vídeo teria sido uma declaração de carinho dos adolescentes.
“(…) Lamenta-se o juízo de valor estabelecido pela ré sobre um vídeo trazido para os autos com notória agressão à imagem da autora, numa deplorável tentativa de ridicularização, mas que foi qualificado como “declaração de carinho dos adolescentes” (fls. 558). Esse ponto deve ser repetido neste voto, porque diz muito sobre a postura assumida pela ré, na tratativa do assunto. Seu conceito de “carinho” estava completamente equivocado, sendo inaceitável para um ambiente escolar.
É preciso dizer – e o Poder Judiciário faz isso neste voto – à ré e aos demais envolvidos no campo da educação e no âmbito do colégio: RIDICULARIZAR UM ALUNO NA FRENTE DOS DEMAIS NÃO É SINAL DE CARINHO! NUNCA FOI E NUNCA SERÁ!”.
Ainda, para o TJ/SP, “a situação demonstrou que a ré desconhecia suas obrigações legais. Cabia à escola ré buscar, se necessário, consultoria especializada, para cuidar, de um lado, da autora (vítima da prática sistemática de intimação e ridicularização) e, de outro, dos demais alunos (autores do bullying)”.
O TJ/SP chegou ao ponto de dizer que tivesse a escola minimamente feito uma breve pesquisa na internet, já se depararia com alguns artigos sobre o assunto, tendo citado, como exemplo, dois artigos resultantes da busca feita pelo próprio desembargador relator.
Para os julgadores faltou não só conhecimento técnico relativo à própria atuação na escola, como correto juízo de valor sobre um bem protegido pela Constituição Federal.
Os julgadores finalizaram o inconformismo com a seguinte mensagem:
“Lamenta-se que, no lugar de solucionar o problema do bullying, a ré tenha optado por litigar de má-fé. No lugar de adotar providências para conscientização dos alunos sobre a importância do respeito, da solidariedade e do respeito aos direitos fundamentais dos demais alunos – em especial da autora – a ré tenha optado por se omitir.
A autora merecia um pedido solene de desculpas de todos envolvidos no lamentável episódio!”
Mantiveram a condenação da escola em R$ 30 mil reais e ainda disseram que a autora merecia mais, porém, como não recorreu, não poderiam aumentar.
Uma vez mais, é o Judiciário buscando não só coibir a terrível prática, mas educar os envolvidos, principalmente as escolas que figuram em posição de liderança e detentoras do poder-dever de adotar providências enérgicas e efetivas.
[1] Apelação Cível nº 1001463-40.2018.8.26.0224
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