Unanimidade passa longe quando o assunto é Airbnb em condomínio! E nos tribunais não poderia ser diferente. Isso ocorre, naturalmente, por se tratar de novo formato de locação de imóveis, sobretudo pelos desdobramentos práticos que a facilidade e a rapidez do meio tecnológico foram capazes de trazer à rotina dos condomínios exclusivamente residenciais.
Locação por curtíssimo prazo. Alta rotatividade. Oferecimento de serviços acessórios. Contratação instantânea.
Essas são algumas das características que aparecem nos julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvendo o conflito trazido pelas plataformas digitais que permitiram e intensificaram as relações entre locadores e locatários.
Na semana passada, saiu mais um precedente do STJ[1].
Precedente pode ser tido como um guia de entendimento não vinculante aos futuros julgados, porém, com relevância e forte indicativo de como o assunto passará a ser examinado por determinada corte.
No caso da locação de imóvel de curta duração por aplicativo, tratou-se da segunda decisão do STJ[2] expressamente definindo a ordem de colocação dos fundamentos alegados pelas partes envolvidas na relação geralmente triangular (locador, locatário e plataforma de locação).
É importante destacar que, embora tenha sido feita menção ao Airbnb que, de fato, figurou não só como assistente interessado no resultado dos julgamentos, mas também disse respeito à plataforma digital eleita pelos condôminos envolvidos nas ações judiciais que chegaram à Corte Superior, a situação problemática se refere a qualquer aplicativo que sirva de instrumento para possibilitar o compartilhamento oneroso de lares.
Os fundamentos trazidos pelas partes envolvidas nos dois processos envolvendo o tema se resumem a este embate:
Destinação dada ao imóvel X Direito de propriedade.
No primeiro, usualmente dos condomínios, é trazido por estes a regra convencional na qual se atesta expressamente a destinação exclusivamente residencial do prédio. Como algo a mais, de acordo com o recente julgado, decisão tomada em assembleia de moradores proibindo, de modo expresso, a locação das unidades por curto período, via plataforma digital.
Do outro lado, estão os proprietários, que defendem a ampla e irrestrita propriedade do imóvel, com a possibilidade de sua exploração econômica.
O assunto espinhoso tem como pano de fundo os condomínios estritamente residenciais, que naturalmente possuem muitas nuances e características próprias, sendo que a convivência nesse ambiente especial tem variadas peculiaridades.
Não à toa existem os regramentos próprios traduzidos nas convenções e regulamentos. A ideia é que referidas regras mantenham e privilegiem a harmonia daquela coletividade. Assim sendo, ao fixar residência em um condomínio edilício, é automática e implícita a adesão às suas normas internas, a que se submetem todos indistintamente.
A primeira delas é a característica do edifício, se residencial, comercial ou mista. Esse aspecto é tão relevante que a alteração só é possível mediante a unanimidade dos condôminos. Basta um não querer que o condomínio tenha o fim misto, ou seja, de residência e comércio, para que o assunto seja encerrado, pelo menos enquanto aquele condômino dissidente nele residir.
Foi possível perceber nos julgados do STJ a relevância e consagração dessa circunstância, sendo que no primeiro caso (RESP 1.819.075-RS) bastou a verificação da característica residencial do edifício, somada ao desenrolar de problemas e conflitos trazidos para a sua dinâmica e rotina para que a maioria votante confirmasse a proibição da locação do imóvel nos moldes praticados pelos moradores gaúchos.
No segundo caso (RESP 1.884.483-PR), além da característica residencial do edifício, os condôminos, reunidos em assembleia, haviam expressamente proibido a ocorrência de locação em prazo curto, por meio de plataforma tecnológica. Com isso, independentemente do exame da regularidade da reunião, o fato é que a maioria expressou e deixou registrada a insatisfação. De toda forma, para o relator, a destinação residencial prevista em convenção condominal é requisito suficiente para obstar a prática em questão.
Como forma de afastar o argumento adotado pelos proprietários, a base legal adotada pelo STJ é aquela existente no artigo 1.336, IV, do Código Civil, o que traz legítima limitação ao direito de propriedade:
“Art. 1.336. São deveres do condômino:
(…)
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.
De tudo isso, podemos tirar as seguintes conclusões:
A plataforma digital de locação não é a vilã!
A locação de imóveis por curta temporada é permitida, estando prevista na Lei nº 8.245/91. Com isso, a atividade das plataformas digitais para locação de imóveis é legal. A mera contratação feita por meio de aplicativos em plataformas como o Airbnb não implica transformar, por si, a locação do imóvel em atividade comercial.
Para o STJ, são as características dos serviços prestados, examinadas caso a caso, que podem ensejar o reconhecimento da prestação de serviços de hospedagem ou mesmo de contratação atípica de hospedagem, desqualificando a mera locação para temporada.
Nesse sentido, aexploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade, transitoriedade e alta rotatividade não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial.
A forma com que são oferecidos os imóveis em locação ou contratado o aluguel, se por meio de aplicativo ou mesmo por qualquer outra modalidade (imobiliária, anúncio em jornais, panfletagem etc.) não teve qualquer influência em ambas as decisões do STJ. Os aplicativos comumente estão envolvidos em tais discussões por se traduzirem nos meios maciçamente usados pela sociedade atual para divulgação e locação, todavia, nada impede que um anúncio em quadro de avisos de faculdades e do próprio condomínio possa causar os mesmos problemas de desvirtuamento da finalidade do condomínio e risco para a sua segurança.
Convenção do condomínio sempre em lugar de destaque
Em ambos os casos, ficou claro que cada coletividade deve ser examinada, conforme as suas regras e expectativas traduzidas em decisões tomadas em assembleia regulamente formadas. Logo, mesmo no futuro, dificilmente haverá uma receita de bolo para essa modalidade de conflito que envolve profunda alteração na rotina do edifício e eventual desrespeito aos direitos dos moradores.
Na prática, a receita de bolo (leia-se decisão judicial) poderá ser aplicada como guia de entendimento para a construção da base do julgado, sem, contudo, ter a finalidade de ser aplicada a todo e qualquer condomínio de maneira indistinta.
Destaca-se que existe projeto de lei [3], cujo objetivo é vedar expressamente a locação por temporada por meio de plataformas, como regra, trazendo a exceção apenas para quando existir previsão expressa na convenção condominial.
A nosso ver, partindo do pressuposto de que a plataforma, em si, não fere a lei, embora tenha trazido alta velocidade e instantânea conexão entre proprietários e aqueles que pretendem fazer uso de imóvel por curto tempo, mas sim o desdobramento do uso que pode alterar profundamente a rotina do edifício e colocar em perigo todos os moradores, aparentemente o texto proposto não será capaz de trazer a resposta esperada para colocar fim aos problemas.
Vamos seguir de olho com os votos de que o direito dos proprietários de unidades residenciais de efetivar a locação destas seja sempre preservado, desde que observado o fim estritamente residencial, sem a configuração de atividade comercial, portanto, e sem que o sossego e as expectativas legítimas dos moradores, como um todo, sejam prejudicados.
[1] RESP 1.884.483 – PR
[2] A primeira foi no RESP 1.819.075 – RS
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