Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] autorizando a retroatividade da alteração do regime de bens de casamento, passando da separação total de bens para a comunhão universal trouxe discussões no meio jurídico.
Muitas críticas tiveram como alvo certas chamadas (manchetes), cujas notícias davam conta de que o STJ havia reconhecido que a mudança no regime de bens do casamento teria efeito retroativo. No entanto, conforme esclarecimento do renomado professor José Fernando Simão[2], as coisas não seriam bem assim!
Para Simão, a confusão se deveu a um problema conceitual, pois, para ele, o STJ não decidiu que a mudança de regime de bens no casamento produziria efeitos retroativos, mas sim que a comunhão universal de bens traria efeitos imediatos!
Diferença talvez tênue, mas que gerou conclusões precipitadas.
Segundo se pode entender a partir do raciocínio do professor Simão, trata-se apenas do reconhecimento da eficácia típica da comunhão universal de bens que produz efeitos a partir da decisão judicial, tornando patrimônio comum os bens particulares existentes até então.
Com isso, a decisão do STJ deve ser interpretada como o reconhecimento de que não foi o regime de bens que retroagiu, mas sim os bens anteriores ao casamento e à data de alteração do regime que passaram a ser de ambos os cônjuges.
Para entendermos melhor o que se está discutindo sobre a decisão do STJ, é interessante relembrar que a possibilidade de mudança do regime de bens no curso do casamento foi expressamente trazida pelo Código Civil de 2002[3] (CC), sendo necessário o pedido conjunto dos cônjuges.
A lei, entretanto, não fixou se tal mudança teria feitos retroativos ou não, o que fez com que o Poder Judiciário enfrentasse muitas ações discutindo o assunto. Não se questiona que a possibilidade trazida pela lei procurou referendar a ampla liberdade de estipulação e alteração em observância ao princípio da autonomia privada, todavia não pode haver prejuízo a terceiros e aos próprios cônjuges.
Da leitura do artigo 1.639, § 2º, do CC, conclui-se que a alteração do regime de bens depende dos seguintes requisitos: que o pedido seja feito por ambos os cônjuges; que seja feita judicialmente, que seja justificada e que não exista prejuízo a terceiros e aos próprios cônjuges.
Voltando ao caso que deu origem à recente decisão do STJ, a notícia publicada pelo site Migalhas[4] informou que “um casal procurou a Justiça pleiteando a modificação do regime de bens da sociedade conjugal de separação total para comunhão universal” e que para isso alegou “que o regime não mais atende aos seus interesses, já que a relação se consolidou e ambos construíram o patrimônio juntos”. (grifos nossos)
Constou na matéria que, segundo o relator, “se a retroatividade é benéfica para a coletividade, não prejudica terceiros e nem produz desequilíbrio, deve ser admitida”. E ainda conforme o relator “não há porque o Estado-juiz criar embaraços à decisão do casal se eles reconhecem que foi de esforço comum que construíram o patrimônio”. (Grifos nossos).
Até o momento não tivemos acesso ao acórdão do STJ que deu origem às notícias e discussões, mas, refletindo sobre a base conceitual do assunto, realmente parece se tratar de confusão que pode ter se originado, inclusive, do regime de bens da comunhão universal que passou a vigorar entre o casal a partir da decisão, com reflexos, porém, sobre os bens anteriores.
Definida a vigência da comunhão universal de bens para o casal que até então detinha o da separação total de bens, todos os bens, inclusive aqueles adquiridos por cada um em data anterior ao casamento, bem como posterior, e mesmo os advindos por herança, passaram a pertencer aos dois.
Conclui-se, assim, que a mudança será capaz de alcançar o patrimônio havido antes do ato homologatório confirmado pelo STJ. O imbróglio todo acaba por demonstrar que a gestão patrimonial familiar pode ser assunto complexo e que aponta a necessidade de auxílio de um advogado de confiança para analisar as peculiaridades da situação do casal e até mesmo a pertinência da mudança do regime de bens, seja no curso do casamento ou da união estável.
[1] REsp 1.671.422
[2] Simão, o STJ decidiu que a mudança de regime de bens no casamento produz efeitos retroativos? NÃO. o que se decidiu é que a comunhão… | José Fernando Simão (@jfsimao) no Instagram
[3] Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.
§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
[4]https://www.migalhas.com.br/quentes/385402/stj-mudanca-no-regime-de-bens-do-casamento-tem-efeito-retroativo
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