Morar em condomínio e ter animais de estimação são realidades bastante presentes na vida dos brasileiros. Por conta de sua importância, merecem ser compatibilizadas, assegurando boa convivência em sociedade.
Constata-se que a vida em condomínio representa a opção mais moderna, segura, completa e economicamente viável, principalmente nas grandes metrópoles, como São Paulo.
Juntamente com esse fato, tem-se que o Brasil possui a segunda maior população de cães e gatos do mundo, com números impressionantes: pouco mais de 54 milhões de cães e de 23 milhões de gatos de estimação, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (ABINPET)[1]. Ainda segundo a ABINPET, trata-se do segundo maior faturamento no setor pet mundial, perdendo somente para os Estados Unidos e ficando à frente de potencias econômicas como o Reino Unido.
Lado a lado com essa realidade, que só tende a crescer e que, de fato, aumentou durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus[2], surgem mais e mais conflitos em razão do convívio em condomínio, gerando especial incremento no número de casos levados ao Poder Judiciário envolvendo animais de estimação (que para muitos ganharam o status de membros da família).
Dentro dessa realidade, o que fazer quando a norma do condomínio proíbe a permanência de animais nos apartamentos?
Em linhas gerais, pode-se afirmar que a tendência seguida pelos tribunais é a de reconhecer o direito à criação de animais de estimação em condomínios, flexibilizando a equivocada proibição porventura existente nas normas condominiais, desde que sua permanência não traga risco e desassossego aos demais moradores.
É importante destacar que não se trata de proclamar a convenção condominial ou o regulamento interno como ilegais ou ineficazes. Tem ocorrido, sim, sua interpretação de acordo com a realidade de cada condomínio, de forma razoável, levando sempre em consideração a situação fática apresentada ao Judiciário.
Predomina o bom senso
Verifica-se que, na vida em condomínio, a primeira máxima que se deve ter em mente é que toda e qualquer proibição apenas de justifica se baseada em premissa adequada, ou seja, eventual restrição a determinado direito apenas se mostra aceitável se estiver fortemente alicerçada em razão plausível o bastante para a manutenção da paz e harmonia da convivência social em condomínio.
Logo, a restrição ao direito de possuir animal em condomínio apenas deve prevalecer se significar risco aos vizinhos, no que se refere à segurança ou saúde, assim como se trouxer perturbação ao sossego em razão de barulho excessivo, pois, nesses casos, também haveria infração de outros deveres dos moradores.
A tendência dos nossos tribunais é sinalizadora de uma nova postura a ser adotada pelos condomínios e por seus moradores, já que a proibição desmedida da permanência de animais nos apartamentos tem se mostrado bastante frágil, com a sua relativização pelos juízes, que têm adotado a postura de examinar a realidade com o bom senso necessário para bem conciliar os interesses envolvidos em uma discussão judicial.
Não é exagero afirmar que será cada vez mais difícil sustentar a proibição ampla e irrestrita para a permanência de animais nos edifícios, mostrando-se necessária a adoção de postura moderna e coerente com a realidade. Nesse ponto, ganharão os condomínios que estiverem à frente, não proibindo irrestritamente, mas sim regulamentando a permanência dos animais, com regras de circulação, de limpeza e até mesmo de saúde. Muitos deles, inclusive, já possuem “espaço pet”, onde os donos podem passear, brincar e cuidar da higiene dos seus animais de estimação.
O Judiciário tem demonstrado conhecer a realidade atual no sentido de que grande parcela da população possui animais domésticos, os quais, no geral, são muito bem cuidados em todos os aspectos e que se adaptaram à vida em ambientes pequenos, como studios e apartamentos, por exemplo. Nesse cenário, cabe aos condôminos zelar pela política da boa vizinhança.
Na prática, havendo situação que impeça a permanência de pets em apartamento, sem qualquer justificativa plausível, negando-se o condomínio a solucionar amigavelmente a questão, o conflito de interesses poderá ser submetido ao Poder Judiciário, a quem caberá decidir de acordo com os critérios acima indicados, primando, sobretudo, pelo bom senso e ausência de prejudicialidade aos demais moradores.
Vamos a alguns casos práticos julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. ANULATÓRIA DE MULTA CONDOMINIAL – Ação ajuizada pelo condômino em face do condomínio – Convenção condominial proibitiva da presença de animais – Permanência de pequeno cachorro (raça Lhasa Apso) – Vedação que não deve ser extensiva a animais de estimação que não causam incômodos e nem oferecem perigo para a higiene a segurança dos demais condôminos e moradores – Inexistência de demonstração de fatos concretos que demonstrem o contrário – Proibição desarrazoada – Possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário sob o aspecto da legalidade e da necessidade do respeito à função social da propriedade (art. 5º, XXII, da CF) – Jurisprudência recente o C. STJ – Sentença que julgou a ação parcialmente procedente, mantida. Apelação não provida. (TJSP; Apelação Cível 0001096-33.2011.8.26.0368; Relator (a): João Carlos Saletti; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Monte Alto – 1ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 22/10/2019; Data de Registro: 13/11/2019)
Apelação – Declaratória de nulidade de cláusula de convenção condominial proibindo a permanência de cães de raças agressivas – Autor que possui um animal de raça pit bull – Alegação de docilidade do animal no âmbito familiar que não pode servir de fundamento para convivência em local com diversas pessoas – Interesse e segurança da coletividade que devem ser preservados – Regimento Interno que deve prevalecer – Honorários advocatícios que não permitem minoração – Sentença mantida – Recurso a que se nega provimento. (TJSP; Apelação Cível 1010287-79.2019.8.26.0344; Relator (a): Luis Mario Galbetti; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Marília – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/07/2020; Data de Registro: 20/07/2020)
Apelação – ação de obrigação de não fazer – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – AUTORES QUE PLEITEIAM O DIREITO DE CONDUZIREM SEUS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NO SOLO, E NÃO NO COLO, COMO EXIGE O REGIMENTO INTERNO – CÃES QUE CONTAM COM 25 KG CADA UM – NORMA QUE SE MOSTRA DESARRAZOADA PORQUANTO NÃO DEMONSTRADO QUE OS ANIMAIS OFERECEM RISCO À SEGURANÇA DOS DEMAIS CONDÔMINOS OU MESMO À HIGIENE E SALUBRIDADE DO EDÍFICIO – MEDIDA QUE SE RESUME SOMENTE AO TRÂNSITO DE ENTRADA E SAÍDA DOS ANIMAIS DO CONDOMÍNIO – CABÍVEL A MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA EM GRAU RECURSAL A TEOR DO ARTIGO 85, § 11 DO CPC – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (TJSP; Apelação Cível 1013325-64.2020.8.26.0506; Relator (a): Cesar Luiz de Almeida; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto – 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/01/2021; Data de Registro: 11/01/2021)
Ação anulatória de multa c.c. obrigação de não fazer. Condomínio. Multar por circular com animal no chão. Convenção condominial que determina o transporte de animais no colo. Razoabilidade da imposição, considerando-se tratar de animal de pequeno porte. Sentença mantida. Apelo improvido. (TJSP; Apelação Cível 1000036-50.2019.8.26.0037; Relator (a): Soares Levada; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/05/2020; Data de Registro: 08/05/2020)
Ação cominatória visando permissão para circular com cachorro pequeno na área comum do condomínio. Jovem especial, cujo tratamento indica a companhia do animal durante os passeios. Permissão autorizada, enquanto durarem as medidas restritivas impostas pelas autoridades sanitárias. Dano moral não configurado. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1067231-23.2020.8.26.0100; Relator (a): Pedro Baccarat; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 18ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/11/2021; Data de Registro: 19/11/2021)
PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA EM RAZÃO DE JULGAMENTO ANTECIPADO. INOCORRÊNCIA. Julgamento antecipado que se impõe em razão de não haver a necessidade de produção de demais provas, além da documental já produzida. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C.C. TUTELA ANTECIPADA E MULTA DIÁRIA. Condomínio. Convenção e demais regulamentos que contem proibição de destinação comercial ao imóvel. Ré que cuida de animais de terceiros com fins lucrativos. Transtornos causados aos condôminos, que se manifestaram contrariamente à manutenção dos animais na residência da apelante. Direito à propriedade que não é absoluto e deve ser ponderado diante do direito dos outros condôminos. Sentença de procedência, com confirmação da tutela antecipada concedida e manutenção da multa diária aplicada de R$ 100,00, limitada ao valor de R$ 3.000,00. Honorários advocatícios majorados para o valor de R$ 2.300,00. Sentença mantida. RECURSO IMPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1091054-60.2019.8.26.0100; Relator (a): Nuncio Theophilo Neto; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 25ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/11/2021; Data de Registro: 10/11/2021)
É possível perceber, portanto, que conflitos envolvendo animais em condomínio só podem ser solucionados após o exame das suas regras, juntamente com as características daquela comunidade, das suas práticas, da rotina, da expectativa da coletividade, do impacto da presença dos animais, fazendo imperar o bom senso.
[1] http://abinpet.org.br/infos_gerais/#:~:text=O%20Brasil%20tem%20a%20segunda,3%20milh%C3%B5es%20de%20outros%20animais.
[2] Animais representam 67% do número de habitantes do Brasil (correiodoestado.com.br). Segundo a matéria: “o número de animais em lares brasileiros aumentou 30% durante a pandemia da Covid-19, segundo dados da pesquisa Radar Pet 2021 divulgada pela Comissão de Animais de Companhia (Comac). Desse percentual, 22% de cães e 37% de gatos foram adotados ou comprados durante a pandemia”.
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