Antes de responder à pergunta contida no título desse artigo, necessária uma explicação sobre o que se entende por abandono afetivo.
Trata-se de negligência do pai ou da mãe em relação a um ou mais filhos, deixando de observar o dever geral de cuidado quanto à criação e convivência com os filhos.
Em outras palavras, o abandono afetivo consiste na infração dos deveres impostos aos pais pela legislação que assegura direitos aos filhos, notadamente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de se manter a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Não há dúvidas de que o abandono afetivo gera a quem foi abandonado(a) o direito ao recebimento de indenização por danos morais. Em casos específicos, até mesmo danos materiais já chegaram a ser reconhecidos em prol daquela criança que outrora fora abandonada e experimentou prejuízos financeiros decorrentes do abandono, tendo que custear, por exemplo, tratamento psicológico ou psíquico.
Voltando ao tema central desse artigo, já há algum tempo existem decisões judiciais que, a pedido de quem sofreu abandono afetivo admitem a retirada do sobrenome daquele que abandonou.
A propósito, vale citar recente decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT – que foi além e reconheceu à pessoa abandonada o direito à desfiliação de paternidade por abandono afetivo.
Além da exclusão do sobrenome, os efeitos da chamada desfiliação ou destituição da paternidade são mais amplos.
Rompe-se o vínculo de filiação entre pai e filho, havendo a extinção dos direitos e obrigações decorrentes da consanguinidade. Ou da paternidade socioafetiva, acaso tenha sido a criança abandonada adotada.
Significa dizer que findo o vínculo entre pai e filho, o pai deixa de exercer o pátrio poder, perdendo totalmente o poder familiar sobre o filho.
Pai e filho deixam de ser parentes, pelo que um não é mais herdeiro do outro.
Igualmente ocorre o fim da obrigação alimentar entre eles, sendo que de imediato o pai deixa de ter a obrigação de prestar alimentos ao filho. Da mesma forma, na sua velhice, acaso venha a necessitar, tampouco terá direito de postular alimentos perante o filho.
No caso concreto da decisão do TJDFT, a primeira que se tem notícia no Brasil sobre desfiliação paterna completa em razão de abandono afetivo, a Autora da ação tinha em seu registro civil os nomes do pai biológico e do pai socioafetivo, desejando a supressão do nome do primeiro.
A decisão de primeira instância não acolheu o pedido de descontinuação da paternidade enfrentando a argumentação de que a desfiliação deveria ser deferida por se tratar de efeito do abandono afetivo.
A Autora recorreu ao TJDFT que julgou procedente o pedido e admitiu a possibilidade da desfiliação do pai biológico em razão do abandono afetivo.
Estamos diante de um avanço do Direito, que no afã de fazer Justiça, se adequa à expectativa da sociedade, acompanhando sua evolução e desenvolvimento, admitindo por completo até mesmo o desligamento do poder familiar biológico, anulando inteiramente seus efeitos.
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