Há semanas que nossos artigos tratam de questões decorrentes da pandemia imposta pelo novo Coronavírus.
Já abordamos os impactos gerados nos contratos de locação, nas relações de trabalho, nos estabelecimentos de ensino, nas contratação de serviços e assinatura de documentos em geral, nas relações de consumo e, até mesmo, no setor de turismo, cultura e entretenimento.
Entretanto, existe uma questão jurídica com potencial bombástico: a avalanche de ações judiciais buscando a liberação de saques do FGTS!
Princípio da razoabilidade
Antigo decreto (número 5.113, de 22/06/2004) prevê o direito do trabalhador realizar saque na sua conta de FGTS, no valor de até R$ 6.220,00, em situações de calamidade pública causadas por desastre natural.
O Brasil atravessa estado de calamidade pública, muito embora não tenha sido causado por desastre natural. No entanto, com base em interpretações extensivas dada ao decreto, diversos trabalhadores têm buscado autorização perante a Justiça para liberação do saque, não só em valor correspondente ao teto previsto, mas, em alguns casos, de todo o saldo disponível nas suas contas vinculadas ao FGTS.
Alguns juízes estão acatando os pedidos, invocando o ‘princípio da razoabilidade’ como justificativa para interpretar extensivamente o direito previsto no decreto.
Perigo à vista
Ora, essa questão jurídica pode trazer inúmeros prejuízos ao país, pois, se a maioria dos trabalhadores optar por exercer seu direito de ação, pleiteando em juízo o saque do FGTS, a Justiça pode entrar em colapso devido ao expressivo número de ações.
Mas, isso não é tudo!
Supondo que o Poder Judiciário tivesse capacidade para julgar todos esses processos, a verdade é que se atendesse a maioria dos pedidos de saques solicitados pelos trabalhadores, ainda que limitadamente ao teto de R$ 6.220,00 por pessoa, o custo dessa conta aos cofres públicos ultrapassaria R$ 140 bilhões de reais! A cifra extrapola a disponibilidade de recursos do FGTS. Demandaria, por parte da União Federal, aporte de outros tantos bilhões de reais para garantir o pagamento aos requerentes.
O subsídio comprometeria seriamente a infraestrutura custeada pelo Governo Federal, inclusive desalocando recursos necessários para a compra da casa própria.
Saque calamidade pública
Não bastasse o risco de que as ações pleiteando o saque do FGTS, em sua totalidade ou dentro do teto de R$ 6.220,00, possam causar um problema econômico ainda mais sério do que a crise que estamos enfrentando, há projetos de lei em curso no Congresso Nacional se valendo do entendimento defendido pelos juízes que estão autorizando os saques para beneficiar desempregados que não sacaram seu FGTS. Trata-se da criação do chamado “saque calamidade pública”, sendo que tais projetos de lei buscam tornar o saque no período de calamidade pública um direito previsto em lei, independentemente de ação judicial.
Caso isso aconteça, a União Federal não terá condições de suportar o ônus. Precisamos aguardar o que virá pela frente, tanto a partir das decisões judiciais que ganham corpo autorizando o “saque calamidade pública”, quanto em decorrência dos projetos de lei que buscam instituir o saque em razão da calamitosa situação, alterando o ordenamento jurídico.
Todo o cuidado é pouco, principalmente quando vivemos um estado de calamidade pública sem precedentes! Não podemos criar problema maior na tentativa de solucionar outro já bastante grave.
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