A Covid-19 trouxe imensos desafios às mais diversas áreas, especialmente às relações de consumo, haja vista que as medidas do Governo para o enfrentamento da pandemia resultaram no impedimento da execução total ou parcial dos contratos, o que fatalmente vem afetando todos os envolvidos na relação consumerista.
Na educação os impactos não são diferentes, pois, dentre as medidas tomadas para o combate da pandemia, o isolamento social resultou no fechamento de escolas, faculdades e cursos em geral, deixando estudantes de todo o país sem saber quais são seus direitos e obrigações perante os estabelecimentos de ensino, afinal, trata-se de um cenário grave, sem qualquer precedente.
Todavia, embora o Direito não tenha respostas para todas as perguntas que diariamente surgem em decorrência desse cenário atípico, por certo que possui função relevante na busca da pacificação social e do equilíbrio de interesses.
O QUE DIZEM OS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES
A orientação dos órgãos de proteção do consumidor[1], de maneira geral, é que as mensalidades nas escolas particulares continuem a ser pagas regularmente durante a pandemia, inclusive sem solicitações de reembolso, descontos ou cancelamentos dos pagamentos ao longo da quarentena.
O propósito desta orientação é assegurar o cumprimento dos contratos e proteger os fornecedores (estabelecimentos de ensino), evitando-se seu fechamento e, sobretudo, preservando os empregos e os salários dos funcionários destas instituições.
No entanto, situações específicas e pontuais merecem ser analisadas individual e separadamente, sendo que, visando manter o equilíbrio financeiro da contratação entre os consumidores (pais e alunos) e as escolas particulares, recentemente o Procon-SP orientou que os consumidores peçam a planilha de custos para verificar se as instituições tiveram redução de gastos com a interrupção das aulas presenciais por causa da pandemia. Por trás dessa orientação, o anseio para que a transparência e o diálogo possam guiar a solução dos problemas.
O QUE DIZEM OS CONSUMIDORES E OS FORNECEDORES QUANTO AO VALOR DAS MENSALIDADES
Para os consumidores, a resposta é clara! Deve haver descontos diante da suspensão das atividades presenciais nas escolas, haja vista que os serviços não estão sendo prestados na modalidade contratada (presencial), bem como, por conta da redução dos custos com suspensões de contratos, diminuição do consumo de energia, água, alimentos, suprimentos, cortes de fornecedores, dentre outros fatores.
Em contrapartida, os fornecedores alegam que o valor da mensalidade deve ser mantido, tendo como argumento o alto investimento em tecnologia para fornecer as aulas à distância. Ademais, os custos com infraestrutura são fixos, a economia proveniente da redução de energia, água e certos insumos é irrisória. Sem se falar na tentativa de manter o quadro de colaboradores.
O QUE PREVÊ NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO?
Para que consigamos abordar a relação de consumo educacional, inicialmente temos que nos atentar em qual fase de ensino o estudante se encontra. Se cursando o Ensino Fundamental ou Médio, ou ainda a Educação Infantil, compreendida entre 0 e 5 anos, a qual muito difere do Ensino Fundamental e do Ensino Médio já que para as crianças do infantil, pela lei, não há previsão para a modalidade de Educação à Distância (EAD).
Desse modo, para a educação básica de nível infantil, em creche e pré-escola , a solução é mais complicada, especialmente para os fornecedores, pois, não sendo possível prestar o serviço na forma remota (EAD), eis que a educação presencial é indispensável para essa faixa etária, é cabível a suspensão (até o fim da quarentena) ou até mesmo a rescisão do contrato de prestação de serviço, haja vista que tal medida inviabiliza a execução integral do serviço contratado.
Com isso, os fornecedores da educação infantil devem procurar a negociação e o diálogo com os pais visando a manutenção dos contratos, como também oferecer reposição presencial e desconto.
Com relação ao ensino fundamental e médio, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê a possibilidade de ensino à distância. Assim, as instituições de ensino podem se adaptar e fornecer pelo mundo virtual o chamado EAD, não havendo que se falar em suspensão do contrato.
A impossibilidade de suspensão do contrato não significa dizer que valores contratados devem ser mantidos, sendo necessário analisar se o serviço ofertado teve diminuição da quantidade e qualidade contratadas.
Constatada a diminuição da quantidade ou da qualidade, há motivos suficientes para a revisão da mensalidade, de modo a readequá-la ao fornecimento apresentado, em razão de fatos posteriores ao momento do contrato terem-no tornado oneroso (art. 6, V, do Código de Defesa do Consumidor).
O argumento dos fornecedores de manter as mensalidades sem desconto por terem investido em tecnologia nada mais é do que escolha do próprio fornecedor para não ter seu contrato rescindido, vez que a contratação termina pelo inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuidade do que fora pactuado por motivo de força maior (art. 607, do Código Civil).
Ainda, cumpre informar que o consumidor não pode ser penalizado com multa prevista em contrato no caso de optar pela rescisão do contrato por não ter dado causa à impossibilidade de prestação dos serviços (art. 248, do Código Civil), bem como não é obrigado a aceitar as imposições sem ter a oportunidade prévia de tomar conhecimento de seu conteúdo (art. 46, do Código de Defesa do Consumidor).
Vale salientar que há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que buscam trazer uma solução única e específica diante da pandemia para regular as relações que envolvem a educação, mas que ainda não foram aprovados e convertidos em lei. Críticos a essa medida dizem que a fixação de um percentual único de desconto não é capaz de trazer o equilíbrio social almejado, tampouco proporcionar soluções adequadas para as mais diferentes instituições. Para eles, o resultado disso pode gerar mais problemas do que soluções.
Paralelamente, em São Paulo, o Governo adotará medidas para o retorno das escolas paralisadas a partir do mês de julho, de forma gradual e escalonada. Nesse contexto, algumas escolas particulares já estão optando por antecipar as férias nos meses de maio e junho.
CONCLUSÃO
O momento delicado que estamos enfrentando requer mais do que nunca que as relações de consumo sejam negociadas e pautadas nos pilares da boa-fé, da transparência e do bom senso, pois, ambos os lados estão sendo afetados diante desta situação inimaginável a que fomos submetidos.
[1] https://www.procon.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/nota-t%C3%A9cnica-Senacon.pdf
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