Em um contrato de locação, tanto locador quanto locatário possuem direitos e deveres previstos na Lei de Locação.
É importante esclarecer que neste artigo não temos por objetivo abordar todos os desdobramentos dos direitos e deveres dos contratantes, mas sim abordar uma situação excepcional, qual seja, a da possibilidade de rescisão do contrato antes do prazo previsto, sem penalidade para o locatário, devido à condição do imóvel de não atender ao fim ao qual se destina.
Nesse sentido, para começo de conversa, destacamos que a principal obrigação do locador é a de entregar o imóvel ao locatário, em estado de servir ao fim a que se destina, conforme do artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.245/1991.
Além da transmissão da posse, o locador tem por obrigação propiciar ao locatário a possibilidade da plena utilização do imóvel, o que equivale a dizer que o imóvel deve estar em estado de conservação compatível ao bom e adequado uso, sendo o locador responsável por eventuais fatos, atribuíveis à situação do imóvel, que impeçam sua utilização e que o locatário não tenha dado causa.
Inclusive, a Lei de Locação prevê que o locador é obrigado a responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação (artigo 22, caput e inciso IV).
Desse modo, imagine que após firmar o contrato de locação e ingressar no imóvel o locatário verifique que o imóvel apresenta problemas não perceptíveis à época da contratação ou da vistoria, que se apresentaram no curso do contrato, como por exemplo infiltrações e goteiras após uma forte chuva, mofo, problemas na rede elétrica, rede hidráulica, problemas estruturais etc.
E é exatamente aqui que entra um documento de extrema importância e que muitas vezes é negligenciado ou não valorizado. Estamos nos referindo ao laudo de vistoria, cujo fornecimento constitui, inclusive, um dos deveres do locador, nos termos da lei, mas que depende de solicitação do locatário[1]. Na prática, o laudo é um documento que deve ser elaborado na presença de ambos os contratantes, locador e locatário, com a descrição exata da condição do imóvel, atentando-se o locatário para a indicação de restrições, se for o caso.
Voltando ao cenário acima, sendo reportado ao locador os problemas do imóvel, principalmente aqueles vícios ocultos, ou seja, que se revelam com o tempo e não são facilmente identificáveis no momento da elaboração do laudo, e não efetuados os reparos necessários que implicam na própria habitabilidade do imóvel, em tempo razoável, surge para o locatário o direito de rescindir o contrato antes do prazo previsto por culpa do locador.
Assim, a negligência do locador pode lhe custar a rescisão do contrato e lhe obrigar ao pagamento de multa prevista contratualmente em favor do locatário.
Com relação à multa é importante esclarecer que existem dois tipos: aquela a ser paga pelo locatário que é usualmente prevista nos contratos para o caso de devolução antecipada do imóvel[2] que, em geral, corresponde ao pagamento de três meses do valor do aluguel e deve ser paga de forma proporcional ao tempo restante do contrato e aquela geral cabível para o locador e locatário para as hipóteses de infração contratual e que podem ser fixadas também em três vezes o valor do aluguel, sem a proporcionalidade, pois se refere a outras situações. A negligência do locador em manter a condição inadequada do imóvel pode fazer com que ele tenha que arcar com a multa contratualmente prevista. Para tanto é importante que o contrato trate da multa e desdobramentos nesse sentido, inclusive destacando a ausência de proporcionalidade, diminuindo o poder de interpretação dos juízes, conforme o que se viu no segundo julgado abaixo.
Ainda, em alguns casos, a depender da situação, além da multa citada, o juiz poderá condenar o locatário ao pagamento de danos materiais e morais, acaso o locatário comprove que tais danos e que tenham superado o valor da multa..
Para ilustrar esse cenário, trouxemos dois casos julgados recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
Apelação – Ação de rescisão contratual cumulada com nulidade de cláusula – Locação de imóvel residencial – Vícios ocultos no imóvel – Existência – Provas coligidas ao processo demonstrando que o imóvel apresentou diversos problemas, com infiltrações, mofo e necessidade de substituição do quadro de distribuição de energia elétrica – Rescisão do contrato e aplicação de multa contratual ao locador – Possibilidade – Recurso desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 1012002-38.2021.8.26.0005; Relator (a): Monte Serrat; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional V – São Miguel Paulista – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/09/2023; Data de Registro: 01/09/2023)
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES E CONDENÇÃO EM DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS INTERPOSTOS POR AMBAS AS PARTES. 1) PROBLEMAS NO TELHADO QUE OCASIONARAM INFILTRAÇÕES NAS PAREDES E VAZAMENTOS. ELEMENTOS QUE AUTORIZAM A RESCISÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO POR CULPA DO LOCADOR. Todo o contexto que se apresenta nos autos caracteriza a obrigação dos locadores de arcar com a multa concernente à rescisão antecipada do contrato de locação, uma vez que o desfazimento se deu por vícios no próprio imóvel, os quais não foram sanados em tempo razoável, tornando o imóvel locado impróprio à habitação. Recurso dos réus, nesta parte, improvido. 2) MULTA COMPENSATÓRIA. PLEITO DE REFORMA DA R. SENTENÇA PARA APLICAÇÃO PROPORCIONAL AO TEMPO DE DURAÇÃO DO CONTRATO. RECONHECIMENTO. A multa compensatória, decorrente da devolução antecipada do imóvel, deve ser calculada de forma proporcional ao tempo restante da vigência da locação, nos exatos termos do artigo 4º, da Lei 8.245/91. Sentença reformada, devendo o valor correto da multa ser calculado em fase de cumprimento de sentença. Recurso dos réus, nesta parte, provido; 3) REPINTURA DO IMÓVEL APÓS A RESCISÃO CONTRATUAL. O cumprimento desta obrigação contratual (repintura) tornou-se impossível tendo em vista o estado atual e real em que se encontra o imóvel, não havendo motivos para determinar a condenação da autora ao valor correspondente à repintura do imóvel. Precedentes. Sentença reformada neste ponto; 4) ACIONAMENTO DO SEGURO. Diante do resultado do julgamento, com o reconhecimento da culpa do locador pela rescisão contratual e ausência de responsabilidade da locatária pela repintura do imóvel, mostrou-se ilegítimo o acionamento do seguro pelos locadores para o recebimento da multa rescisória e o valor da pintura, de modo que correta a r. sentença ao determinar a condenação dos réus a pagar à autora locatária o valor residual do seguro que teria recebido se os locadores não tivessem aberto o sinistro. Recursos parcialmente providos.
(TJSP; Apelação Cível 1010953-71.2021.8.26.0001; Relator (a): Cristina Zucchi; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I – Santana – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/05/2023; Data de Registro: 09/05/2023).
Em ambos os casos restaram comprovados que os problemas apresentados nos imóveis implicavam na habitabilidade do imóvel, sendo determinada a rescisão do contrato com aplicação da multa em favor do locatário.
Vale ressaltar que não é todo e qualquer problema apresentado no imóvel que implicará na possibilidade de rescisão do contrato de locação por culpa do locador, mas apenas aqueles que impliquem na habitabilidade do imóvel e que não sejam sanados pelo locador em tempo razoável e de acordo com a urgência que o problema demanda.
Caso esteja passando por situação semelhante, antes de qualquer medida, conte com o auxílio de um advogado de sua confiança que avaliará o contrato, a situação do imóvel e todos os aspectos necessários a viabilizar o seu direito.
[1] Art. 22. O locador é obrigado a:
(…)
V – fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes;
(…)”
[2] Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.(Redação dada pela Lei nº 12.744, de 2012)
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