Há pouco mais de um ano o Canaltech publicou com exclusividade texto de nossa autoria sobre tema importante referente à penalidade máxima aplicável ao empregado que faz uso indevido de dados de clientes do seu empregador.
Tal penalidade máxima é a demissão por justa causa, que é a quebra do vínculo entre empregado e empregador por iniciativa do segundo, tendo em vista falta grave do primeiro. E o trato problemático com os dados da empresa deve ser relevante e robustamente comprovado pelo empregador.
Semana passada o Valor Econômico trouxe matéria envolvendo o tema, dando um panorama sobre a tendência do Judiciário, exemplificando com dois casos que chegaram aos tribunais regionais do trabalho.[1]
A matéria e a leitura das decisões judiciais nos trouxeram insights importantes que merecem ser divididos com nossos leitores.
- Forte preocupação em aplicar a penalidade máxima àquele que lida com os dados da empresa de forma irresponsável e “sem cerimônia”, atuando como se os dados fossem seus e não da empresa.
- Se a penalidade é a máxima, o assunto é grave e o sinal de alerta é aceso.
- Para a empresa, há de se ter uma boa política de dados e código de ética para que as atuações sejam respaldadas em algo regulamentar do que é esperado do time. É importante que o funcionário tenha um norte e essas informações sejam de efetivo conhecimento dele, através da assinatura desses documentos e de participação em treinamentos e ações educativas e periódicas para divulgação, reforço e atualização de métodos e formas de trabalho.
- Portanto, prudente que se evite deixar os colaboradores sem orientação, isto é, alheios a uma política de conduta que direcione seu comportamento e a postura a ser adotada, principalmente se houver contato dos funcionários com dados sensíveis de pessoas e fornecedores. Nas ações judiciais com as quais nos deparamos, um argumento comum dos empregados é a ausência desses guias, da chamada “política de privacidade” ou “código de conduta” e até mesmo da falta de assinatura dos colaboradores atestando ciência ao regramento imposto pela empresa.
- Para o funcionário, é importante ter postura ativa e interesse no conhecimento das regras. Nesse caso, se nada lhe tiver sido apresentado como um guia, é importante sempre tirar as dúvidas e obter orientação quanto à linha de atuação junto ao superior hierárquico, de preferência por escrito.
- Nos dois casos, juntamente com aquele mencionado no artigo do Canaltech, a problemática foi a mesma: envio de planilha de dados dos clientes para si mesmo (pelo funcionário). As justificativas dos funcionários foram de que o sistema sempre travava ao final do dia e que poderiam perder o trabalho feito.
- As penas máximas aplicadas se basearam no mero extravio de dados para si mesmos, sem que fosse importante saber a finalidade. Portanto, as justificativas não tiveram qualquer impacto na formação do convencimento dos julgadores, tampouco o fato de não ter havido o encaminhamento das informações para terceiros.
- A pena máxima se fundamenta na tamanha preocupação das empresas de terem os seus dados circulando através de meios que escapam do seu controle, o que pode gerar para si responsabilização pelas pessoas físicas e jurídicas afetadas.
- Por fim, as empresas devem sempre se atentar para a imediatidade entre a falta cometida pelo empregado e a dispensa por justa causa. O elemento tempo é essencial quando ocorre algo que torna impossível o prosseguimento da relação de empresa. Esse aspecto foi observado no julgamento pelo TRT-15ª Região.
A lição que fica é a de que, no ambiente de trabalho, deve haver uma convergência de entendimentos e o necessário alinhamento de expectativas para que as partes tenham plena consciência do alcance e da importância dos dados na rotina de trabalho.
A empresa deve ser transparente e não deixar nada subentendido, implementando guias de comportamentos ou manuais de conduta para seus funcionários, material esse que merece ser revisado de tempo em tempo como exercício da supervisão patronal.
O empregado deve se interessar pelo conteúdo da política da empresa e guia de comportamento de forma a compreender a sua atuação, bem como a necessidade de seguir um padrão de conduta que busque proteger os dados dos clientes e fornecedores do empregador.
Tudo a fim de que a relação entre empregado e empregador seja o mais segura e transparente possível, com o que todos ganham.
[1] TRT – 15ª Região (Campinas) – Processo nº 0010313.35.2020.5.15.0112
TRT – 2ª Região (São Paulo) – Processo nº 1000612-09.2020.5.02.0043
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/01/23/justica-confirma-demissao-por-uso-indevido-de-dados-de-clientes.ghtml