Embora a maior parte dos pets seja dócil e ótima companhia no convívio social, tornando uma tarefa um tanto quanto difícil imaginar uma circunstância em que um animal de estimação cause prejuízo digno de discussão judicial, é inegável que se trata de situação do cotidiano que pode vir a ocorrer a qualquer momento.
A fim de melhor ilustrar para nossos leitores o tema do artigo dessa semana, escolhemos um caso real levado à Justiça[1], ocorrido no município de Colina/SP, que mostra bem a questão complexa decorrente da fuga de um animal.
Na situação, um cachorro deu causa a um acidente de trânsito envolvendo motociclista.
O motociclista transitava por uma rua a caminho do trabalho quando, de repente, foi atingido por um cachorro de grande porte, sendo arremessado ao solo junto à sua motocicleta.
Segundo o seu relato, o cachorro escapou de uma empresa quando a coproprietária ao abrir o portão, permitiu que o cachorro fugisse, fato que gerou o acidente.
Em razão do sinistro, o motociclista teve ferimentos com certa gravidade e com sequelas permanentes, que o impossibilitaram desempenhar o seu trabalho, sendo afastado por auxílio-doença.
Em continuidade, o condutor da motocicleta ingressou com ação judicial e requereu ao juiz a condenação dos donos do cachorro ao pagamento de danos materiais, pensão vitalícia, danos morais e danos estéticos no valor de R$ 1.071.963,92.
CÃO SEM DONO
Um dos argumentos de defesa dos donos do animal foi de que o cão era um animal “errante”, ou seja, sem dono. Entretanto, tal alegação não restou confirmada e a responsabilidade pelo evento danoso foi reconhecida, nas duas instâncias, ou seja, o juiz de Colina/SP entendeu que houve responsabilidade dos donos do animal e aplicou a indenização de R$ 50.000,00 a título de danos morais e estéticos.
Todos recorreram e o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, por meio da 29ª Câmara de Direito Privado, manteve, em parte, a decisão do juiz de 1º grau, diminuindo o montante da indenização para R$ 30.000,00, por entender que não houve comprovação dos danos estéticos.
Com relação à pensão mensal vitalícia pleiteada pelo prejudicado, os desembargadores concordaram com o entendimento do magistrado de 1º grau por entenderem que a prova pericial apontou que o autor acidentado não é portador de dano estético e que sua incapacidade, inclusive laboral, é temporária e não permanente, e que cabe correção cirúrgica.
Conforme bem destacado pelo juiz de Colina, o Código Civil prevê claramente a responsabilização dos donos de animais, conforme disposto no artigo 936:
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Nesse ponto, ressaltou corretamente o Relator do acórdão que confirmou a responsabilização dos donos do cão:
“a responsabilização do dono por dano causado por animal é objetiva e puramente formal, não importando se o dono teve ou não culpa, se mantinha ou não o bicho sob vigilância e guarda. Basta, para sua responsabilização, que o animal tenha causado dano a outrem.
Assim, para os fins de responsabilização civil, é suficiente a comprovação da propriedade do animal e do nexo de causalidade entre o atropelamento acidental e os danos suportados pelo autor.”
CUIDAR E ZELAR PARA QUE ACIDENTES NÃO ACONTEÇAM
Como dito no início do texto, embora, à primeira vista possa parecer uma situação um tanto difícil de imaginar que vá parar no Judiciário, é mais comum e fácil de ocorrer do que se imagina. Basta pensarmos, inclusive, em acidentes provocados por animais na pista, situação que denota responsabilidade das concessionárias das rodovias e dos proprietários de animais que tenham falhado na sua guarda, como no caso de falta de manutenção da cerca e evasão de gado.
No contexto maior que abrange as estradas e rodovias, logo se vê o tamanho da responsabilidade dos donos dos animais e igualmente por quem deve zelar pela segurança das rodovias.
E não é diferente dentro das cidades! Ao sairmos pelas ruas, especialmente aos finais de semana e no entorno de parques e praças, é muito comum nos depararmos com tutores passeando com seus cachorros sem a utilização de guias e/ou focinheiras, o que, a depender do porte e temperamento do animal traz certo risco de que alguém tenha sua integridade física atingida por um cão.
Ainda que os tutores conheçam os seus pets, tal como pode ocorrer com as crianças, ao menor descuido pode haver um acidente, não devendo ser afastada a hipótese de que repentinamente um cão pode vir a atacar outro, uma pessoa ou simplesmente correr em direção à rua, fazendo com que um motorista/motociclista desvie rapidamente e ocasione um acidente, gerando vários desdobramentos além de uma mera colisão. Por exemplo, lesões graves e até a morte, seja do pet ou da pessoa envolvida no acidente.
Fica aqui o nosso alerta aos tutores de pet, para que tenham cuidado e responsabilidade, assim como para os donos de animais em sítios e fazendas. Juridicamente, respondem eles pelo comportamento e pelas consequências do que vierem seus bichos a fazer.
[1] TJSP – Proc.nº 1000006-83.2022.8.26.0142
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