De início, importante esclarecer que as convenções coletivas de trabalho podem trazer regras específicas sobre prazo de desocupação de imóvel, conforme seja a demissão por justa causa ou sem justa causa. Portanto, é importante ficar de olho, podendo haver variações de acordo com o sindicato que representa a categoria na localidade em que o trabalho foi prestado.
Falando em caseiro, categoria de trabalhador doméstico que é o foco do nosso artigo, uma vez encerrado o contrato de trabalho (por demissão ou pedido de demissão), qual seria o prazo para a desocupação do imóvel?
Para buscar alguma referência, vamos classificar os trabalhadores em rurais e urbanos:
Trabalhador rural
Trabalhador rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
Já o empregador rural, basicamente, é a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explora atividade agro-econômica.
Essas são definições encontradas na Lei n. 5.889/1973, que regula o trabalho rural. Logo, por exclusão, os demais trabalhadores que não se enquadram nos conceitos acima serão considerados trabalhadores urbanos.
De todo modo, importante deixarmos claro que dada a natureza da atividade, tendo em vista trabalhar no âmbito residencial de uma família (ainda que unipessoal), o caseiro é um empregado doméstico, quer esteja a residência sob seus cuidados em ambiente urbano ou rural.
Pois bem, feitas essas considerações iniciais, a referida lei é expressa quanto ao prazo que o trabalhador rural tem para desocupar o imóvel ao término do contrato de trabalho. Vejamos o que determina o art. 9º, § 3º da lei em questão:
§ 3º Rescindido ou findo o contrato de trabalho, o empregado será obrigado a desocupar a casa dentro de trinta dias.
Assim, não há dúvidas de que encerrado o contrato de trabalho, o trabalhador rural deverá sair do imóvel cedido pelo patrão para moradia no prazo limite de 30 dias.
Trabalhador urbano
No caso do trabalhador urbano, conforme pontuamos no início, é importante se atentar para a convenção coletiva aplicável à categoria, pois, contrariamente ao trabalhador rural, não há lei determinando, de forma direta e expressa o prazo de desocupação do imóvel havendo o término do contrato de trabalho. Isso abre espaço para interpretações e entendimentos que podem divergir.
Por exemplo, a Convenção Coletiva de Trabalho 2023/2024 entre o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo e o Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo abrange a categoria profissional de vários trabalhadores, dentre eles, os caseiros, sendo que existe cláusula específica com regras aplicáveis para o empregado que mora no local de trabalho.
Ainda a título de exemplo, para essa categoria específica, a Cláusula Quarta, no parágrafo quinto, assim dispõe: “no caso de empregados que moram no local de trabalho, a partir da data da rescisão do contrato, fica garantido o prazo de até 30 dias para desocupação do imóvel em caso de demissão sem justa causa. Em se tratando de pedido de demissão ou dispensa por justa causa, fica garantido o prazo de 10 dias para desocupação do imóvel”.
Como se vê, para essa categoria e na abrangência territorial trazida pela convenção mencionada, a solução está dada.
E para situações de trabalhadores urbanos que não se encontram contempladas em regramentos, qual entendimento adotar?
Para isso, existe até quem defenda que poderia ser aplicado o prazo da Lei do Inquilinato (ou Lei de Locações dos Imóveis Urbanos, Lei n. 8.245/1991) para disciplinar essa questão, por meio da combinação de alguns dos seus dispositivos, a seguir reproduzidos:
Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:
I – Nos casos do art. 9º;
II – em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego;
Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
§ 1º Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.
§ 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para desocupação.
Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.
§ 1º Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:
II – o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia;
A junção dos trechos acima destacados, defendem alguns, assegura que a retomada do imóvel pelo patrão poderá se dar no prazo de 30 dias após a extinção do contrato de trabalho do trabalhador urbano, o que pode parecer razoável se adotarmos como parâmetro o que existe na lei aplicável ao trabalhador rural e o que vimos na convenção coletiva trazida como exemplo.
No entanto, a nosso ver a cessão de um imóvel, por parte do empregador, para que seu empregado nele resida enquanto perdurar a relação de emprego não se traduz em locação. Trata-se de um contrato atípico, que muito se aproxima do comodato (empréstimo de bem infungível, ou seja, de bem que não pode ser substituído por um outro equivalente), na medida em que o caseiro usualmente reside em imóvel cedido gratuitamente pelo patrão, localizado no mesmo terreno ou próximo ao imóvel principal que fica sob os cuidados do trabalhador e no qual ele desempenha as tarefas para as quais foi contratado.
A atipicidade desse contrato guarda uma particularidade: a posse do imóvel foi concedida ao empregado, pelo empregador, em confiança e enquanto perdurar a relação de emprego.
Assim sendo, uma vez finda a relação de emprego, pode o empregador, proprietário ou locatário do imóvel solicitar que o caseiro desocupe o imóvel em que reside ele (por vezes na companhia da sua família).
Naturalmente, razoável que se fixe um prazo para que o caseiro venha a desocupar o imóvel em decorrência do término do contrato atípico que normatiza a ocupação que ele tem sobre o bem. Defendemos que tal prazo deve ser de ao menos 30 dias, o que na prática pode ser interpretado por analogia aos dispositivos indicados acima. Transcorrido tal prazo, tem-se, no nosso entendimento, que a posse do caseiro passa a ser ilegal, consistindo em esbulho possessório, o que admite ação de reintegração de posse para a retomada do imóvel. Inclusive com pedido de liminar.
Como explicado, o trabalho do caseiro, que é um empregado doméstico, pode se dar em ambiente rural ou urbano. Em ambos os casos defendemos que finda a relação de emprego, deve ser fixado o prazo de 30 dias para a desocupação do imóvel, desde que não haja previsão expressa em convenção coletiva da categoria da localidade em que o trabalho foi prestado, tal como demonstramos acima.
Orientações
Partindo do pressuposto de que o contrato de trabalho foi extinto e, em se tratando de demissão por iniciativa do empregador, recomenda-se que a carta de dispensa e/ou o aviso prévio já estabeleça(m) o prazo para que o empregado desocupe o imóvel e que tal prazo seja de ao menos 30 dias.
De outro lado, acaso a demissão tenha partido do empregado, sendo sua a solicitação, portanto, quanto ao encerramento do contrato de trabalho, necessário que o empregador coloque por escrito o prazo de ao menos 30 dias para que o colaborador desocupe o imóvel que vinha sendo por ele ocupado, acaso não exista norma coletiva contemplando, como é o caso da convenção coletiva de trabalho que trouxemos como exemplo e que dita 10 dias para essa hipótese. Esse documento será de suma importância para eventual ação visando a reintegração de posse nas situações em que o caseiro insiste em continuar ocupando o imóvel mesmo após o término do contrato de trabalho.
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