Na sexta-feira da semana passada, dia 03 de novembro de 2023, todos nós que moramos na Capital de São Paulo fomos surpreendidos por fortes chuvas e rajadas de vento, que igualmente atingiram com rara intensidade mais de 20 cidades adjacentes. Como saldo, 08 vidas perdidas no estado de São Paulo, sendo que 05 delas se foram atingidas por árvores, eis que mais de 300 delas caíram na cidade, bloqueando inúmeras ruas, deixando milhões de pessoas em seus lares sem luz, incontáveis estabelecimentos comerciais amargando prejuízos, quer seja pela impossibilidade de funcionar, quer seja pela perda de mercadorias perecíveis, ou até mesmo diante do custo de locação de geradores para procurar manter bens que demandam refrigeração, como remédios e alimentos.
Até o momento em que finalizamos esse artigo (quarta-feira, 08/11), ainda há milhares de pessoas sem energia elétrica (a falta de luz já ultrapassa desesperadoras 100 horas), a despeito dos esforços da ENEL, concessionária responsável por prover energia elétrica na Capital, que mesmo conseguindo atender quase um milhão de clientes nas primeiras 24 horas posteriores à tempestade, mostrou que sua estrutura é ineficiente para resolver um problema da magnitude do vivenciado sobretudo pelos paulistanos naquele fatídico dia depois do feriado de Finados.
Ventos fortes, podas por fazer ou malfeitas, fiação elétrica aparente (a chamada fiação aérea), árvores doentes, calçadas sem manutenção, bueiros entupidos … e a força da natureza! Por certo que há uma série de fatores que, juntos, culminaram no resultado caótico que se viu na cidade durante a tempestade e nos dias subsequentes ao forte temporal.
Ainda que a ENEL alegue ter se tratado do maior vendaval dos últimos anos, procurando justificar o ocorrido mediante a excludente de caso fortuito ou força maior, ou seja, imprevisibilidade ou inevitabilidade das causas que geraram tamanhas consequências, será que a concessionária de serviço público não tem mesmo responsabilidade pelo ocorrido?
Ou, cabe a ela indenizar os prejuízos experimentados pelos seus consumidores?
Ora, se você é leitor habitual dos nossos artigos, talvez tenha se deparado com um deles em que esse tema foi, de certa forma, explorado.
Vale a leitura:
Parentes de mortos por enchentes devem ser indenizados pelo ente público?
Enchentes e o dever de indenizar.
Posso ser indenizado por queda de árvore em via pública que causou danos a mim e ao meu veículo?
Pois é, nossa conclusão, dessa vez, é diferente!
Explicamos: nos artigos acima indicados as situações retratadas tinham sempre um ponto em comum: responsabilidade civil objetiva, tanto do Estado (enquanto ente público, portanto, municipalidade ou estados da federação), quanto das concessionárias de serviço público. No entanto, desta feita, isto é, na ocorrência de 03 de novembro o que se viu foi um fenômeno atípico, tempestade com fortes ventos que atingiram extensa área, a ponto de provocar impacto em mais de 20 munícipios adjacentes à Capital de SP, acarretando a queda de mais de 3000 árvores – 128 apenas no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Para que se tenha uma ideia da extensão dos danos e atipicidade do fenômeno ocorrido semana passada, nesse instante da revisão do artigo que você está lendo, ainda há 45 árvores energizadas em São Paulo aguardando que a ENEL proceda à desenergizarão para que bombeiros ou servidores da prefeitura (PMSP) possam retirá-las. Afora as energizadas, há mais de 100 árvores e postes aguardando remoção, inclusive algumas ruas e avenidas ainda se encontram bloqueadas. Ademais, a chuva era previsível e era sabido que teríamos ventos fortes. Porém, os ventos vieram em velocidade mais do que duas vezes superior àquela prevista pelos meteorologistas!
Retornando à análise jurídica, com todo o respeito às opiniões contrárias (ainda que muitas delas sejam tendenciosas e sensacionalistas) e repisando que nosso escritório não tem por costume “vender felicidade”, sendo conhecido por sua seriedade ao expressar opiniões legais técnicas e isentas de ânimo, se reservando o direito de “dizer o que entendemos como certo e não o que os clientes gostariam de ouvir”, fato é que diante do ocorrido na última sexta-feira, efetivamente se pode concluir que houve um evento de força maior, cujo caráter inevitável autoriza a concluir que apesar da falta de enterramento da fiação, das falhas nas podas das árvores, na manutenção deficiente de calçadas, dentre outros problemas imputáveis ao Poder Público e à própria ENEL, não há que se falar em responsabilidade civil frente aos danos havidos.
Nesse sentido o artigo 393 do Código Civil:
O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos, não era possível evitar ou impedir.
Mas Douglas … e a demora para a religação da energia elétrica???
Tem gente sem luz há mais de 100 horas!
Você defende esse ponto de vista porque não é com você!
Vamos aos contra-argumentos: o conceito de “demora” na retomada da energização por parte da ENEL é muito relativo. Se levarmos em conta que se estima que desde 1995 não havia aqui na Capital de SP um fenômeno climático tão destruidor como o que vimos, se tivermos em mente que a ENEL vem fazendo o que está ao alcance dela, tendo religado a energia para mais de um milhão de pessoas nas primeiras 24 horas posteriores ao evento, se considerarmos que a concessionária alocou praticamente toda a sua força técnica de trabalho para resolver o problema, não nos parece ter havido displicência ou omissão da empresa, não havendo que se falar em responsabilidade da ENEL.
Evidentemente que se tivesse havido uma chuva “normal”, corriqueira, habitual e houvesse enorme demora para a religação, entenderíamos que haveria sim a responsabilidade da ENEL.
Mas, não é esse o caso … portanto, somos solidários à dor e aos problemas de todos aqueles que ficaram ou estão há dias sem luz, mas, a tal “demora” nos parece proporcional à gravidade do ocorrido!
Falsa a premissa de que defendemos a posição acima exposta porque não fomos vitimados pela recente tempestade! Tanto é falsa que não só alguns de nós enfrentamos falta de luz, de TV a cabo e de sinal de internet, deixando de litigar em causa própria por conta disso, como também já fomos procurados para mover ação indenizatória contra a ENEL e declinamos, simplesmente porque não nos parece correta tal medida! Não confiamos no sucesso dela! Mais do que isso: não patrocinamos causas nas quais não acreditamos. Acaso tivéssemos sido atingidos por dias a fio pelo evento climático de 03 de novembro, com tristeza estaríamos conformados por se tratar de situação excepcional, perfazendo força maior. Finalizando, muito embora a PMSP tenha informado que ingressará com ação civil pública contra a ENEL em razão do descumprimento do prazo fixado pela própria empresa de energia para o restabelecimento da rede e da posição do Ministério Público, que defende que os consumidores que ficaram sem energia no estado por conta do evento do dia 03/11 devem ser indenizados, mantemos nossa posição já exposta em outras oportunidades, no sentido de que havendo prejuízos decorrentes da falta de luz prolongada, o consumidor tem direito a se ver ressarcido (aliás, a própria ENEL reconhece isso!), desde que não se trate de situação envolvendo caso fortuito ou força maior, tal como se viu na semana passada.
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