Afirmamos com plena convicção que a paternidade é um dos acontecimentos mais felizes da vida de um homem, senão o mais feliz.
A chegada de um bebê representa também o renascimento. Não apenas dos pais, mas invariavelmente de toda a família, oportunidade em que surgem novos papéis para os familiares, como no caso dos irmãos, avós, tios e primos, por exemplo.
A partir do momento em que recebemos a notícia de que seremos pai, a vida simplesmente muda, como se alguém virasse uma chave e fossemos direcionados para outro mundo, afinal, de agora em diante todos os pensamentos e estilo de vida deverão ser, no mínimo, adaptados e pensados no filho que está a caminho.
SONHO TRANSFORMADO EM PESADELO
Existem casos, porém, em que essa alegria acaba se transformando em tristeza profunda. Explicamos:
Imagine que depois de toda essa mudança em sua vida e de todos os familiares (acredite, isso acontece) o tempo passa, a criança cresce e você percebe que não há qualquer semelhança física entre você e a criança, quiçá com os seus ascendentes. Em razão dessa “pulga atrás da orelha” você resolve fazer um teste de DNA e sua desconfiança se confirma: o resultado do teste indica que o(a) filho(a) que você registrou, ama e cria, abdicando de tantas coisas não é seu! Você não é o pai biológico!
A felicidade dá lugar à tristeza, indignação, vergonha, sentimento de ter sido enganado e até mesmo violação à honra nos casos em que tenha havido relação extraconjugal.
CASOS VÃO PARAR NA JUSTIÇA
A situação por si só já é muito traumática, não só para o suposto pai e a criança, como também para toda a família e envolvidos que vêm a experimentar enorme abalo de ordem moral/psíquica, sem contar no impacto negativo para desenvolvimento da criança que, na maioria dos casos, é quem mais sofre, independentemente da idade, além da judicialização que é uma etapa necessária e pode trazer à tona todo o sofrimento.
Apesar de ser uma notícia um tanto quanto incomum, não é raro nos deparamos com casos como esses levados ao Judiciário para solução dos conflitos, que podem ser assim resumidos: (i) anulação da paternidade; (ii) reparação de dano de ordem moral; e (iii) reparação de dano de ordem material por todos os gastos suportados com o suposto filho.
A título de exemplo, podemos citar o famoso caso da família Poncio, que deu o que falar em sites de fofoca[1] e nas redes sociais. A família Poncio vive nos holofotes e, de tempos em tempos, acaba envolvida em alguma polêmica, mas essa notícia foi bombástica! O cantor Saulo Poncio registrou a filha fruto da relação com a atriz Letícia Almeida, no entanto, depois de fazer um teste de DNA descobriu que na verdade a criança era filha do seu cunhado, Jonathan Couto.
Vale consignar que nem todas as situações como essa culminam com o término do relacionamento, ou mesmo, com a anulação da paternidade, levando-se a discussão à Justiça, haja vista o vínculo social e afetivo formado entre a criança, o suposto pai e os familiares envolvidos. Para alguns, pode valer o dito popular “pai é quem cria!”. Sobre o tema, recomendamos a leitura desse artigo veiculado no Colégio Notarial do Brasil.
ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Analisando os julgados da corte paulista, verificamos que os desembargadores reconhecem (i) a anulação da paternidade pelo vício de consentimento; (ii) a reparação de dano moral por todo o abalo psíquico sofrido; e (iii) a reparação de dano material por todos os gastos suportados com o suposto filho, como pensão, enxoval, plano de saúde e até mesmo gastos com a festa de aniversário da criança.
Apresentamos três casos reais e recentes:
- Ação de indenização por danos materiais e morais – Falsa imputação de paternidade biológica de filho, cuja concepção e nascimento se deu na constância do casamento dos litigantes – Ato ilícito configurado pela conduta omissiva da genitora que permitiu a perfilhação mesmo ciente da probabilidade da prole ser fruto de relacionamento extraconjugal – Prejuízo extrapatrimonial caracterizado – Violação à honra subjetiva do autor com fortes consequências pessoais e sociais – Manutenção da quantia arbitrada pelo magistrado singular (R$ 9.980,00) – Atendimento os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade – Valores desembolsados pelo ex-cônjuge a título de pensão alimentícia em favor do filho Wesley – Legitimidade do ressarcimento – Obrigação decorrente de conduta violadora do direito – Redução da indenização para R$ 6.194,77 (janeiro/2021) – Descontos realizados em folha de pagamento do alimentante que abarcaram a prestação acordada em favor do outro filho do casal – Manutenção da disciplina da sucumbência pelo decaimento ínfimo do autor – Recurso provido, em parte. (TJSP; Apelação Cível 1008833-68.2019.8.26.0084; Relator (a): César Peixoto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/03/2022; Data de Registro: 03/03/2022)
- Apelação. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais. Homem, ex-convivente, propõe ação objetivando reparação por dano moral alegando ter descoberto não ser pai biológico do filho da parte ré, ex-convivente mulher, apontando que a ré teria insistido em praticar comportamentos maliciosos e prejudiciais ao autor mesmo inteligente da não paternidade biológica da criança confirmada em exame de DNA particular e o colhido durante tramitação de ação negatória de paternidade pelo autor movida. Sentença de procedência parcial. Apelos recíprocos. Não conhecimento do apelo da ré, não provimento do apelo da parte autora. Sentença mantida por seus próprios fundamentos (art. 252, RITJSP). 1. Apelo da parte ré não conhecido, em razão de deserção declarada em decisão monocrática, confirmada em agravo interno e não impugnada pela parte ré para instâncias superiores. 2. Apelo da parte autora não provido. 2.1. Pedido recursal de majoração da indenização por danos morais, de R$ 30 mil para R$ 50 mil. Não provimento. Fixação do montante indenitário em R$ 30 mil, proporcional ao dano sofrido e representativo de funções compensadora, dissuasiva e preventiva da indenização, conforme artigo 5º, incisos V e X, CF/88 e artigo 944 do Código Civil de 2002, ausentes circunstâncias excepcionais a revelar agravamento do dano. 3. Recurso da parte ré não conhecido, recurso da parte autora desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 1013751-25.2019.8.26.0405; Relator (a): Piva Rodrigues; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Osasco – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/02/2022; Data de Registro: 23/02/2022)
- O caso é de paternidade que foi assumida por indicação da mãe da criança. Casal de jovens namorados. Ocorre que a criança é produto de relação sexual da mãe com outro rapaz, fato que foi ocultado de forma maliciosa, criando uma falsa relação parental (já desfeita em ação judicial diante do irrefutável exame de DNA) e isso envolve o afeto inútil da avó paterna. A irrealidade durou um ano e causou perturbações familiares, sendo que nada justifica o silêncio da mulher (embora com dezesseis para dezessete anos) sobre a duplicidade de parceiros sexuais ao tempo da concepção. O episódio, traumático para todos os envolvidos, é considerado ilícito não propriamente pelo estilo da vida da moça, mas, sim, pelo direcionamento equivocado da paternidade. Dever de restituir tudo o que o homem enganado pagou no período e mais dano moral (inclusive para a avó paterna pela dor do apego desnecessário que se findou ao descobrir que não era sua neta biológica) que é fixado em R$ 20 mil reais. Não cabimento da indenização por perda de uma chance. Provimento, em parte.
(TJSP; Apelação Cível 1000515-68.2019.8.26.0449; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piquete – Vara Única; Data do Julgamento: 10/02/2022; Data de Registro: 15/02/2022)
Concluindo, o direcionamento equivocado da paternidade pela genitora é visto tanto pelo Judiciário quanto pela lei como um ato ilícito, por induzir e/ou permitir o reconhecimento da paternidade tendo conhecimento de que aquele não era, de fato, o pai biológico ou diante da probabilidade de ter mantido relação extraconjugal ou multiplicidade de parceiros sexuais, implicando no dever de reparar o dano provocado.
[1] https://bebemamae.com/mamae/cantor-posta-1a-foto-com-bebe-apos-descobrir-que-ela-nao-e-sua-filha