No artigo dessa semana vamos relatar dois casos em que houve condenações por danos morais em razão de comentários agressivos e inverídicos, postados em redes sociais, especialmente no Facebook e no WhatsApp.
A primeira situação envolveu reclamações de paciente contra uma clínica médica em São Vicente-SP[1]. Já a outra aconteceu em Curvelo-MG, a respeito de boatos espalhados por professora, ex-funcionária de uma escola, após o seu desligamento.
Caso 1 – Críticas pelo atendimento médico
Em São Vicente, no ano de 2019, uma clínica se viu em situação complicada após atender um paciente. No início do ano seguinte ao seu atendimento o paciente resolveu fazer um ‘textão’ no Facebook criticando duramente a clínica oftalmológica e a médica que o atendeu.
Não contente, a cada comentário com opinião divergente da dele, ou seja, de pacientes satisfeitos com a clínica, prontamente o contrariado consumidor respondeu um a um, procurando fazer valer com aspereza sua indignação.
Ainda se não bastasse, destilou suas mesmas críticas perante o Reclame Aqui, fazendo questão da “marcação cerrada” frente à clínica.
Ora, a clínica, por decisão dos seus representantes legais ingressou com ação de indenização por dano moral contra o paciente. Em primeira instância teve negado o seu pedido, sob o argumento de que não havia comprovação de que as críticas efetivamente abalaram sua reputação.
No entanto, a clínica também soube ser insistente e sua derrota perante o Juízo de origem motivou recurso de Apelação, cujo recente julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reverteu totalmente a solução dada ao caso, entendendo ser desnecessária a comprovação do efetivo abalo da reputação da clínica.
Para o tribunal bandeirante, o paciente superou em muito o bom senso, extrapolando a razoabilidade diante de tantos comentários postados para abalar a credibilidade da clínica. Ainda, para o desembargador relator, na prática restou caracterizada superação do âmbito da liberdade de expressão e do direito de crítica.
Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás!
Vejamos parte da fundamentação adotada pelo tribunal para justificar a condenação do autor das críticas:
“(…)
Ainda que sob justificativa de desabafo e indignação, as expressões utilizadas superam o legítimo direito de crítica e avançam pela ofensa da honra profissional, existindo excesso cometido pelo requerido com imputação de solicitação de exames desnecessários, o que seria feito para obter vantagem econômica, negligenciando o tratamento médico dos pacientes.
(…)”.
O paciente pagou caro pela crítica exacerbada: foi condenado ao pagamento de indenização por dano moral de R$ 7 mil à clínica, sendo que na ação judicial movida pela médica[2], ele foi condenado a indenizá-la no montante de R$ 10 mil.
Caso 2 – Ex-professora que manchou reputação da escola em que trabalhava
A segunda situação que trazemos para chamar a atenção sobre as consequências de se extrapolar o bom senso, restando configurado o intento de prejudicar, diz respeito à professora do interior de Minas Gerais.
A educadora, assim como o paciente do primeiro caso, foi condenada a indenizar a escola, sua antiga empregadora, que teve a sua imagem maculada em razão de comentários tecidos em conversas via WhatsApp.
No caso, a professora foi condenada em primeira instância, o que foi confirmado pelo TRT-MG. A condenação foi de R$ 3 mil em razão das declarações negativas contra a instituição de ensino para pais, alunos e a população de Curvelo de forma geral.
Conforme noticiado pelo TRT-MG, a professora tentou amenizar a situação, sob o argumento de que as suas críticas teriam se limitado à saúde financeira e à possibilidade de fechamento da escola.
Todavia, os argumentos da escola foram amparados por forte prova documental e testemunhal, inclusive de mães que receberam mensagens no WhatsApp com comentários que provocaram forte preocupação.
O fato foi tão grave que a escola se viu obrigada a realizar uma reunião com os pais para desmentir toda a difamação sofrida.
Merece destaque o fato de que, ao examinar o recurso, o desembargador relator Marcos Penido de Oliveira não só deu razão à empregadora, como registrou a reprovabilidade da atitude da professora. Para ele, caberia até aumentar o valor da indenização por danos morais, de R$ 3 mil para R$ 5 mil, porém, em respeito ao princípio do “non reformatio in pejus”, que veda a reformulação da sentença de primeiro grau de forma a prejudicar a recorrente, ele manteve a decisão do juízo da Vara do Trabalho de Curvelo e negou provimento ao recurso da ex-empregada.
Guardadas as devidas peculiaridades de cada um dos casos acima, ambas as situações que trouxemos para o artigo dessa semana reforçam que nos cabe usar a tecnologia como instrumento de crítica, sendo imperativo que ao desabafarmos ou tecermos críticas nas redes sociais, assim o façamos com bastante cuidado e discernimento, afinal os excessos serão sempre punidos!
Fica a dica de que nem sempre o consumidor tem razão, tampouco o empregado é sempre o injustiçado! As relações de consumo, a exemplo das de trabalho, possuem normas protetoras e excepcionais dentro dos seus respectivos sistemas, com a específica finalidade de equilibrar os interesses, mediante freios e contrapesos. Entretanto, jamais serão tidas como pano de fundo para excessos e maus comportamentos.
[1] Processo nº 1005422-46.2022.8.26.0590
[2] Processo nº 1009266-04.2022.8.26.0590