O tema ‘assédio’ está muito em voga nos últimos tempos, tanto é que voltamos a ele logo após recente artigo sobre caso de assédio virtual de uma mulher, gerando a condenação em juízo daquele que a agrediu on-line.
Além das ações judiciais, o destaque se deve à tecnologia que, se por um lado, trouxe novos mecanismos para a infeliz prática da importunação alheia – o assédio on-line – de outro deu voz à sociedade que vem se expressando, por exemplo, através de postagens com denúncias e ocorrências envolvendo empresas.
Basta lembrarmos de algum caso em que determinado(a) colaborador(a), após amargar uma demissão, resolve lavar a roupa suja nas redes sociais, listando ocorrências e fazendo denúncias contra os ex-empregadores: rotina de trabalho pesada, exigências descabidas frente as mais variadas situações, desde vestimenta, aparência (peso, corte de cabelo), cumprimento de metas e por aí vai.
Vamos tratar do assédio moral vivido no ambiente de trabalho e dos seus desdobramentos para a empresa.
Afinal, sendo o ato do assédio moral praticado por pessoa física – leia-se, o funcionário da empresa – e tendo a vítima recebido a indenização por danos morais da empresa – empregadora do culpado:
a empresa pode se valer do direito de regresso contra o efetivo causador do dano?
Para responder essa questão, trazemos recentíssimo julgado do Tribunal Superior do Trabalho[1] (TST) que manteve decisão condenando ex-gerente de uma cervejaria a ressarcir a empresa dos valores pagos à vítima do assédio moral. No caso, o ex-funcionário da empresa ameaçava de demissão quem não atingisse metas de vendas.
Resultado: ex-gerente foi condenado em primeira e segunda instâncias.
Não há dúvida de que as empresas (aqui compreendem-se, de forma ampla, os patrões em geral) podem sim se valer do direito regressivo garantido pelo Código Civil para reaver do funcionário ou preposto o valor pago à vítima.
Pessoas jurídicas como reclamantes e trabalhadores como reclamados
A ação de regresso tramita na Justiça do Trabalho, sendo ainda pouco usada nessa área e tem sido aceita pelo Poder Judiciário em decisões de segunda instância e do próprio TST, conforme citamos acima.
Responsabilidade civil do patrão como exceção ao sistema
Nesse caso recente da cervejaria, antes de comentarmos pontos cruciais que determinaram a condenação pelo TST do ex-funcionário ao ressarcimento da sua então empregadora, é interessante uma breve explicação sobre como se dá a responsabilidade do empregador[2] nessas situações.
No nosso sistema civil, a regra geral é que só responde pelo dano aquele que lhe der causa.
Entretanto, a lei traz exceções, dentre elas aquela que prevê a responsabilidade (solidária) do empregador pelo ato dos seus empregados. Veja-se que quando se trata de dano oriundo de assédio moral praticado por funcionário, estamos diante de duas exceções da lei: responsabilidade por ato de terceiro e solidariedade.
Falsa impressão da existência de ‘manto protetor’ para a conduta abusiva de funcionários
Na prática, é comum que as vítimas se voltem exclusivamente contra o empregador para cobrar a indenização, tendo em vista o receio de que o causador do dano – o empregado – não tenha patrimônio suficiente para responder pela reparação.
Isso sem dúvida contribui para fortalecer a falsa ideia de que apenas a empresa responde por eventuais indenizações postuladas pelos empregados que são vítimas de abusos.
Agora sabemos que não é bem assim! O Judiciário está atento para seu papel educativo de evitar a perpetuação de atividades abusivas similares no ambiente de trabalho.
O mapa da mina trazido pelo TST
Ao analisarmos o julgado do TST e do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco[3], alguns pontos chamaram a atenção sobre o que pode ser visto, na prática, para que a empresa tenha êxito na recuperação dos valores pagos e o funcionário seja condenado a ressarci-la:
Aqui cabe um comentário importante: boas e efetivas políticas corporativas de compliance são altamente recomendáveis. Prova disso é que, em sua defesa, o ex-gerente argumentou que na época de vigência do seu contrato de trabalho não existia cartilha visando prevenir a prática de assédio moral.
Evidentemente esse argumento não se sustentou, todavia, na prática acende o alerta para que as empresas se preocupem cada vez mais com a publicidade dos seus valores e das suas boas práticas.
E mais! Não basta ter uma boa política de compliance, sem a efetiva fiscalização garantindo sua observância.
O Judiciário espera que as empresas tenham postura ativa e vigilante na sua atuação rotineira e, ao se depararem com ocorrências de assédio moral, adotem medidas para afastá-las.
Logo, tomando ciência de que algum funcionário está praticando assédio moral no ambiente de trabalho, a empresa deve agir para acabar com esse mal, inclusive documentando que, de fato, agiu ativamente (desculpem a redundância, mas a necessidade de dar ênfase à postura ativa fala mais alto!).
No caso do ex-gerente da cervejaria, todas as instâncias basearam a condenação de ressarcimento à empresa na certeza da culpa do ex-funcionário. Com isso, destacaram que as ações trabalhistas intentadas pelas vítimas contra a empresa, em razão do assédio moral, tinham todas transitado em julgado[4].
É importante ter clareza sobre as atitudes do assediador para que a responsabilidade dele possa ser bem individualizada.
Por fim, no caso prático, como o ex-gerente havia ingressado com ação trabalhista contra a cervejaria, condenada a pagar algumas verbas trabalhistas em razão do seu desligamento, a empresa pediu a suspensão temporária da liberação do crédito do ex-gerente para a compensação entre os valores a serem pagos pela empresa com aqueles que ela teria direito a receber. Em outras palavras, o ex-gerente, passou de credor a devedor da ex-empregadora.
É sempre bom lembrar que, no ambiente de trabalho ou em qualquer situação, intimidação e humilhação das pessoas não são admitidas, nem mesmo o desrespeito relacionado a gênero, idade, raça, religião ou credo, opinião política, dentre outros aspectos caracterizadores e íntimos das pessoas.
Concluímos com a mensagem de que no dia a dia das empresas é possível que algum funcionário não se adeque aos valores da companhia ou, até mesmo, vá muito além das regras sociais bastante sedimentadas pela sociedade. O dano pode ocorrer, mesmo com os cuidados reclamados pelas circunstâncias. No entanto, o que será decisivo para o reconhecimento e aplicação do direito de regresso é a verificação de que a empresa foi correta e zelosa para exterminar o assédio!
Compliance bom e efetivo é ingrediente que afasta a falsa ideia de que apenas a empresa responde por eventuais indenizações postuladas pelos empregados vítimas.
[1] Processo nº TST-AIRR – 619-50.2018.5.06.0019 – julgado em 03/02/2021
[2] Quando mencionamos empregador, leia-se de forma ampla, patrão, em geral, seja ele pessoa física ou jurídica, independentemente da relação de emprego ou de pagamento de remuneração.
[3] Processo TRT – 6ª Região – nº 000619-50.2018.5.06.0019 (RO), julgado em 09/06/2020.
[4] TRÂNSITO EM JULGADO – expressão jurídica que significa não mais caber qualquer recurso contra a decisão. Logo, por ser irrecorrível ela é definitiva e produzirá seus efeitos.
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2 Comments
Achei muito bom .Gostaria de compartilhar
Olá, Aparecida! Boa tarde !
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