Passado o Dia dos Namorados, vem o Dia de Santo Antônio, um dos santos mais populares entre os brasileiros, conhecido por ser o “santo casamenteiro”. E, pela ordem das comemorações, logo se vê que, em tese, a expectativa de quem se relaciona amorosamente é que, em algum momento, a relação possa evoluir para algo mais formal ou “protocolar”, digamos.
Como toda relação humana, muitos desdobramentos podem surgir do namoro, ou melhor, do seu rompimento. Da ruptura podem advir prejuízos financeiros, pactos não cumpridos, promessas quebradas, expectativas frustradas, desentendimentos, discussões e até mesmo a prática de crimes, como agressões, stalking, difamação, dentre outros, demandando a presença do Estado na busca da chamada paz social, seja através do Poder Judiciário ou da intervenção policial.
Tendo em vista as premissas acima, fazemos alguns questionamentos para provocar sua reflexão:
Cada situação complicada, não é mesmo?
Pois bem, levadas essas questões para o Judiciário, ao juiz caberá avaliar o contexto em que ocorreram os fatos e, a partir das provas trazidas pelas partes do processo, identificar eventual situação que justifique a imposição de algum dever, como o de indenizar, devolver algum bem, ou até mesmo cumprir pena restritiva de direitos ou privativa de liberdade.
É certo que em alguns casos o juiz acaba se limitando a reconhecer determinada falha de conduta de um dos envolvidos, a qual tenha atingido o âmbito moral das relações e compromissos, mas que não tenha se mostrado grave o bastante para autorizar que o Estado, enquanto ente que dita as normas e cobra sua observância, venha a impor penalidade para a parte que teve comportamento inadequado.
Partindo do nosso compromisso de informar e não desiludir os nossos leitores, abaixo citamos casos reais julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) advindos de discussões na seara do Direito Civil que surgiram de namoros e as lições trazidas por cada um deles:
I) O primeiro caso a ser analisado diz respeito a pedido de indenização por dano moral em razão de infidelidade no namoro:
RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano Moral. Infidelidade em relacionamento afetivo. Partes que mantiveram longo amoro qualificado por 12 anos. Inocorrência de dano moral em razão das circunstâncias do final do relacionamento afetivo. Violação a dever moral de fidelidade em namoro não se confunde com o ilícito absoluto, pois a namorada supostamente traída pode exercer a qualquer tempo o direito potestativo de por fim ao relacionamento. Possibilidade, em casos excepcionais, de fixação de danos morais quando, a um só tempo, a violação a deveres moral de fidelidade constituir também ilícito absoluto do art. 186 do Código Civil. Ausência de provas de situação de humilhação pública ou conduta injuriosa. Ação improcedente. Reconvenção procedente, decorrente de danos em razão de agressão física que causaram ferimentos ao reconvinte, além de danos materiais em seu veículo. Recurso que se volta apenas contra a improcedência da ação. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1006911-02.2022.8.26.0564; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo -6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/07/2023; Data de Registro: 15/07/2023)
Vê-se que o TJSP negou o pedido e ficou reconhecido que, não obstante a reprovabilidade da conduta do infiel, a infidelidade, por si só, não é capaz de fazer nascer o dever de indenizar.
Portanto, é preciso que a infidelidade seja capaz de transbordar a quebra do dever moral, alcançando situação de humilhação pública ou conduta injuriosa, como exemplificou o julgador, para que seja capaz de gerar dano indenizável.
II) O segundo caso é mais delicado, pois contrapõe o direito à liberdade de expressão e o direito à privacidade, onde a autora da ação judicial teve o relacionamento amoroso divulgado em rede social, sem que tenha sido citado o seu nome, mas com o intuito de ser objeto de relato pessoal da então parceira para chamar a atenção ao que seria um relacionamento abusivo:
“APELAÇÃO CÍVEL. Indenização por Dano Moral. Divulgação de versão unilateral sobre relacionamento amoroso em rede social. Fatos que, segundo a autora, teriam culminado na sua expulsão arbitrária de equipe esportiva. Sentença que julgou o pedido da autora procedente em relação à primeira-corré, condenando-a ao pagamento de indenização por danos morais, e improcedente em relação aos demais corréus. Recurso interposto pela autora, com a finalidade de majorar o valor da indenização e condenar solidariamente todos os corréus, além de obter retratação. Recurso interposto por uma das corrés, buscando o afastamento da indenização. Hipótese em que a requerida revelou à equipe e publicou em rede social seu relato sobre o que considerava ser um relacionamento abusivo. Regular exercício de denunciar aos organizadores da equipe fatos que, conforme regras instituídas, poderiam configurar má conduta, passível de sanção. Relato pessoal publicado em rede social que traz a perspectiva individual da requerida sobre seu relacionamento conturbado. Relato que possui a finalidade principal de descrever a experiência pessoal e advertir sobre relacionamentos abusivos. Ausência de emprego de exageros, expressões puramente ofensivas, revelação de fatos desnecessários, ou o emprego de outros artifícios com finalidade de apenas expor e humilhar. Autora que não foi identificada nas postagens. Conhecimento dos fatos restrito a pessoas próximas e familiares. A manifestação de opinião sobre aspectos íntimos de um relacionamento amoroso, ainda que negativa, não configura dano extrapatrimonial indenizável se não desborda dos limites do direito à liberdade de expressão, concretamente manifesto na faculdade assegurada a qualquer pessoa de falar abertamente sobre os fatos que dizem respeito à própria experiência. Demais corréus que agiram no intuito de preservar o ambiente de tranquilidade da equipe esportiva, inexistindo manifestação de desapreço ou comprovação segura de que provocaram sua exclusão deliberadamente, favorecendo ou mesmo agindo em conjunto com a requerida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. RECURSO DA RÉ PROVIDO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA.” (v. 41829). (TJSP; Apelação Cível 1049004-82.2020.8.26.0100; Relator (a): Viviani Nicolau; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível -28ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/06/2023; Data de Registro: 20/06/2023)
Pelo contexto, os julgadores não entenderam que a postagem teria sido abusiva e apta a gerar o alegado abalo moral indenizável.
Em tempos de intensa troca de mensagens e publicações em redes sociais, é bastante comum que nos deparemos com lamentações, exposições, denúncias e opiniões negativas no momento do fim do namoro, inclusive por famosos.
Não é fácil ter a medida do que é aceitável e do que pode ficar caracterizado como dano moral indenizável. Tarefa difícil a do Judiciário e que requer bastante sagacidade do advogado para demonstrar concretamente o direito daquele a quem defenderá.
III) O terceiro caso concreto se refere ao fim de um namoro e à pretensão de uma das partes de acertar as contas. A ex-namorada alegou que, durante o namoro, emprestou um notebook e dinheiro ao então namorado. Com o término, a ex-namorada pretendia a devolução dos itens:
Apelação Cível. Indenização por Danos Materiais e Morais. Alegação de ter emprestado cerca de R$ 4.000,00 e um “notebook” ao namorado. Rompimento do namoro sem a devolução dos bens. Alegação de ter a conduta do réu causado dano moral. Ação julgada parcialmente procedente para condenar o réu no pagamento de indenização por dano material. Apelação de ambas as partes. Ausência de prova a demonstrar o empréstimo. Autora que confessadamente apresenta problemas de ordem psiquiátrica (como depressão e ansiedade), mesmo antes do namoro. Namoro que se presta justamente para o casal se conhecer. Rompimento não configura dano moral. Ausência de prova do agravamento do estado psiquiátrico da autora após o rompimento do namoro. Reforma da sentença para julgar a ação improcedente. Recurso do réu provido. Recurso da autora improvido. (TJSP; Apelação Cível 1000417-94.2017.8.26.0565; Relator (a): Silvério da Silva; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul -5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/08/2018; Data de Registro: 06/08/2018)
Os julgadores reverteram o que o juiz de 1º grau havia decidido e entenderam que não ficou provado o alegado empréstimo.
Destacamos o que foi dito pelo relator:
“(…)
Na contestação o réu afirma que a autora deu o aparelho como presente. Do mesmo modo que honrou com outras despesas feitas durante o tempo de namoro.
Não há como desprezar a versão do réu, visto que é usual entre namorados que se dê presentes. Não se cuida de nenhum bem de alto valor.
(…)
As conversas do WhatsApp não servem como um “título de crédito” ou provas de empréstimo. Não existe precisão quanto a valores, datas e outros requisitos.”
De forma geral, se vê que o Poder Judiciário entende que o término de namoro não gera dano moral, tampouco o dever de devolver aquilo que fora oferecido como presente.
Concluímos esse artigo com votos de que, além do amor demonstrado na data de ontem, as informações e os aprendizados extraídos dos casos concretos acima retratados contribuam com alguma dose adicional de maturidade e discernimento aos nossos leitores frente à experiência de namorar, momento em que as pessoas devem se conhecer e melhor avaliar a pertinência de que um passo adiante seja dado – ou não! – lembrando-se sempre do respeito mútuo como valor fundamental nas relações humanas.
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