Já escrevemos aqui sobre cláusulas restritivas (inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade) impostas a quem é beneficiário de um imóvel recebido em testamento ou doação. Para saber mais, clique nos links a seguir: cláusulas restritivas em contratos de doação e testamentos e cláusula de incomunicabilidade de bem no divórcio e na sucessão.
Agora vamos imaginar a seguinte situação: você é beneficiário de doação de um imóvel gravado com as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade. Durante anos você usufrui do imóvel, arca com os custos de manutenção e impostos, até que em um certo momento da sua vida, esse grande presente vira uma enorme despesa que você não consegue mais suportar financeiramente, gerando prejuízo. Então surge a dúvida se a proibição de alienação do imóvel deve persistir nesse cenário.
Pois bem, atualmente as decisões judiciais estão seguindo alguns critérios apontados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o cabimento da pretensão de cancelamento das cláusulas restritivas, os quais devem ser ponderados e aplicados, conforme as peculiaridades de cada caso.
São os seguintes:
Um caso foi solucionado pelo STJ, no qual uma fazenda foi doada e gravada com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade. Os donatários cuidaram adequadamente do bem imóvel durante duas décadas, tendo os doadores já falecido há muitos anos. Porém, já idosos, com problemas de saúde, difícil acesso ao imóvel rural, dificuldade de administrar a fazenda e seus incidentes fora de controle, como por exemplo, furto de gado, e, ainda, sem proveito econômico, pelo contrário, apresentando maiores prejuízos, tornou-se necessário o cancelamento das restrições. Entendeu o Judiciário que voltando o bem à circulação e cumprindo sua finalidade econômica e social, o bem poderia trazer mais proveito aos beneficiários, o que era a vontade presumida dos doadores.[1]
Em outro caso decidido pelo TJSP-Tribunal de Justiça de São Paulo, a doação do imóvel foi realizada com reserva de usufruto aos doadores e gravado com as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade. A donatária, além de idosa, apresentava graves problemas de saúde, necessitando vender seu patrimônio. Então o tribunal entendeu que as cláusulas restritivas tinham a intenção de evitar a venda do imóvel enquanto os doadores fossem vivos, pelo que não faria mais sentido manter o gravame após o falecimento deles. Além disso, há de se evitar que o patrimônio seja um fardo de acúmulo de dívidas ao invés de trazer frutos em benefício do donatário que já possui a plena propriedade consolidada. Assim, as restrições foram canceladas, pois verificou-se que a donatária é plenamente capaz e não se enquadra como pródiga, podendo administrar seu patrimônio da forma que lhe for mais conveniente.[2]
Como último exemplo, também decidido pelo TJSP, filhos menores impúberes receberem um imóvel por doação. Quando já maiores de idade e não desejando residir no município onde o imóvel se encontrava, pleitearam em juízo o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. O tribunal, ressaltando que o cancelamento somente é possível em casos excepcionais e avaliando as particularidades do caso, entendeu que a proibição de venda imobiliza os bens e impede a circulação de riquezas, contrária à economia. Diante disso, a partir da venda do bem, cada filho, já plenamente capaz, poderá dar o destino que desejar, cada qual, da sua quota parte, de forma a valorizar o capital.[3]
Como se pode notar, as cláusulas restritivas em doação ou testamento geram efeitos a longo prazo na vida dos beneficiários, pelo que recomendamos um planejamento sucessório com consultoria jurídica especializada, de sua confiança.
[1] STJ, Resp 2022860-MG
[2] TJSP, Apelação 1009514-53.2020.8.26.0003
[3] TJSP, Apelação 1000999-61.2021.8.26.0369
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