Mais um artigo escrito a partir de consulta que nos foi apresentada.
A consulente conta com os préstimos de doméstica há muitos anos. Sua empregada recebe salário consideravelmente acima da média do mercado e tendo em vista a pandemia, que impactou grandemente o negócio da empregadora, recebemos a seguinte consulta:
Sou obrigada a aumentar o salário da minha empregada doméstica anualmente, de acordo com o dissídio coletivo da categoria?
Em outras palavras, a empregadora gostaria de saber se o aumento é obrigatório ou se é mera concessão por reconhecimento/merecimento do trabalho da empregada.
Nossa consulente trouxe como “verdade” o resultado de pesquisas que fez no Google, além de ter compartilhado conosco a opinião de uma profissional do seu relacionamento de amizade, que resumidamente defendia o entendimento que segue:
O aumento proporcional do salário de doméstica não é obrigatório caso ela receba acima do mínimo regional.
Pois bem, deixando claro que o trecho acima em itálico não nos parecia correto, buscamos a solução da questão à luz da legalidade, isto é, com base na legislação, doutrina e jurisprudência.
A verdade é que todo aquele que paga valor acima do salário-mínimo regional para seu empregado doméstico apenas é obrigado a conceder aumento anual se houver previsão convencional para isto. Ou seja, para que se configure tal dever é necessário que exista convenção coletiva de trabalho dispondo sobre o assunto, de acordo com o artigo 611 da CLT e o artigo 7º, inciso IV da nossa Constituição Federal.[1]
Além do que, esclarecemos que o referido aumento nada mais é do que o reajuste anual, também conhecido por alguns como dissídio salarial. Em outras palavras, serve para corrigir com base na inflação o valor percebido pelo empregado, a fim de preservar seu poder de compra.
Em São Paulo, onde reside a consulente, existe convenção coletiva da categoria, pelo que é legítimo concluir que mesmo pagando valor acima do mínimo regional, é sim dever da empregadora (então consulente) conceder os reajustes anuais, de acordo com a previsão convencional.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (onde se localiza São Paulo) já julgou o assunto. Abaixo reproduzimos um julgado:
1.Salário-mínimo. Observância da Garantia Constitucional. Ônus probatório do empregador. Não comprovação. Diferenças salariais devidas. O salário-mínimo foi alçado à condição de direito social pelo Texto Magno, assegurado a todos os trabalhadores urbanos e rurais, necessário ao atendimento das suas necessidades vitais básicas e das respectivas famílias (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social), tratando-se de norma de eficácia imediata e observância imperativa (artigos 6º e 7º, IV, da Constituição Federal). Nesse contexto, a despeito da simplicidade e da informalidade que usualmente permeiam a relação do trabalho doméstico, cumpre ao reclamado a prova do fato extintivo do direito vindicado (artigo 818, da CLT, c.c artigo 373, II, do CPC), qual seja, de que a evolução do patamar salarial auferido pelo empregado observou os progressivos reajustes do salário-mínimo nacional. Desse modo, inexistindo comprovação de que a finalidade do legislador – assegurar no ganho mensal do empregado, valor que lhe permita satisfazer as necessidades básicas de subsistência – foi atendida, não merece qualquer reprimenda a condenação em diferenças salariais impostas pelo Juízo de Origem. 2. Patamar remuneratório inferior ao salário-mínimo. Inadimplência de obrigação trabalhista. Dano moral não caracterizado. Indenização compensatória indevida. A hipótese não é de reiterado atraso no pagamento de salários, mas sim do mero inadimplemento das verbas do contrato de trabalho, que não tipifica nenhuma ofensa pessoal à intimidade, honra, privacidade ou à imagem do trabalhador, não se podendo falar em prática de ato ilícito autorizador da indenização por danos morais, porquanto se trata de prejuízo que não extrapola a esfera estritamente material do indivíduo, já devidamente recomposta na presente reclamatória com a condenação do demandado ao pagamento dos títulos devidos. Precedentes do C. TST. Recurso da reclamada ao qual se dá parcial provimento. (TRT da 2ª Região; Processo: 1000290-68.2017.5.02.0374; Data: 13-02-2019; Órgão Julgador: 6ª Turma – Cadeira 1 – 6ª Turma; Relator(a): JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA)
Sendo assim, não restam dúvidas de que tanto a consulente, que embasou sua opinião em pesquisa no Google, quanto a profissional por ela consultada antes de que nos fosse apresentada a questão defendiam opiniões equivocadas sobre o tema.
Esse episódio demonstra bem a necessidade de pesquisa e aprofundamento mesmo frente às questões que se mostram simples e aparentemente com menor complexidade.
Reforça a tese de que a consulta jurídica para a adoção das medidas corretas é ferramenta essencial para evitar e mitigar passivo, qualquer que seja a matéria e ramo do Direito envolvido.
Gostou desse artigo? Apresente nos comentários sugestão de pauta para escrevermos um texto jurídico abordando assunto sobre o qual você tem dúvida.
[1] CLT – Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
CF – Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV – Salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim
Entre em contato conosco!
12 Comments
Dr Douglas.sou doméstica trabalho há 20 anos n mesma residência. No início ele me propôs 2 salários mínimo. Todo ano eu tinha reajuste normal sob 2 salários mínimos. De alguns anos p cá não estou tendo reajuste.depois q mencionei ele deu aumento, que continua sendo 1045. Tenho direito ao reajuste desses anos.?
Olá, Édina!
Recomendamos que a senhora procure um advogado de sua confiança.
Tudo indica que o reajuste anual e outros direitos podem estar sendo violados.
Boa sorte!
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Devido a pandemia dei um aumento para minha funcionaria domestica exatamente para corrigir a inflacao, há menos de um ano. Sou obrigado a pagar o dissidio sobre o salario atual dela, que ja foi reajustado?
Olá Guilherme,
Agradecemos o seu contato.
A fim de que você tenha a resposta para essa dúvida, necessário consultar o teor da convenção da categoria. Nela deve haver previsão a respeito do procedimento a ser adotado se já houve aumento em prazo inferior ao determinado pelo dissídio.
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Bom dia Douglas.
Trabalho como babá há 8 anos , nunca aumentou meu salário, ainda posso recorrer a esses anos perdidos ? Meu salário na carteira é de 2.000,00 e por fora 500,000 . Só esse mês que pedi reajuste, me deu reajuste só desse ano . Tenho direito aos anos passados ?
Olá, Valdinete!
Sim. O reajuste do salário deve ocorrer todo ano e seguir o percentual previsto na convenção coletiva da sua categoria.
Você terá direito a reclamar os valores devidos pelos últimos 5 anos caso venha a processar o seu empregador.
Boa sorte!
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Olá. Sabe indicar onde consigo consultar o valor da convenção coletiva das domésticas do Estado de São Paulo?
Olá, Dina!
Entre em contato com o sindicato da sua localidade que a informarão se o acesso à convenção coletiva é pago ou gratuito.
Boa sorte!
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Bom dia. Afinal, fiquei sem saber, sou obrigada a aumentar anualmente ou não? Minha funcionária recebe 1.600 mensal + passagem. É acima do teto regional.
Olá Juliana,
Agradecemos o interesse pelo nosso artigo.
Certamente se você ler com atenção, vai obter a resposta, afinal, deixamos claro que não basta que se pague valor acima do mínimo. Necessário que se observe se na localidade da prestação de serviços há dissídio salarial (também conhecido como convenção coletiva de trabalho) dispondo sobre o assunto.
Para facilitar sua compreensão, pode sempre contar conosco:
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Obrigado
Depende
Excelente artigo!
Tema muito relevante para a maioria das pessoas, que tem seus funcionários domésticos.
Obrigada por compartilhar!!
Olá Roberta, bom dia!
Obrigado pelo seu retorno.
Fique à vontade para sugerir como pauta algum tema que lhe pareça interessante.