Hoje falaremos de um caso envolvendo pedido de uma credora para que a Justiça determinasse o bloqueio de diversos aplicativos do devedor[1].
Segundo constou do acórdão, o intuito do inusitado pedido foi tirar o devedor de sua “zona de conforto”, ou seja, dificultar a vida daquele que não se dispõe a pagar o que deve, na expectativa de que viesse ele a optar pela regularização da situação, quitando o débito para se livrar das restrições buscadas pela credora.
Entretanto, reforçando o entendimento do juiz que primeiro analisou o caso e negou o pedido, em fase recursal, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não deu mesmo razão à credora por entender que a medida atípica por ela requerida não se prestaria a colaborar para com o almejado objetivo – quitação do débito.
Nesse sentido, foi dito:
“É verdade que o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil deu poderes ao juiz para adotar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para garantir ao credor a satisfação de seu direito. São os denominados meios atípicos de execução, medidas consideradas de coerção indireta e psicológica para obrigar o devedor a adimplir sua obrigação.
Contudo, como já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, “tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos” (REsp 1864190-SP, Min. Rel. Nancy Andrighi)”.Grifos nossos.
Segundo o relator do acórdão, “nessa esteira, emerge evidente que o bloqueio de contas do agravado em aplicativos de transporte, alimentação e entretenimento não possui qualquer liame com o comportamento do executado ou com a natureza da obrigação exequenda, não havendo qualquer indício de que essa providência traria resultado significativo e concreto para a satisfação do débito”.
Em razão disso, entenderam por bem os julgadores que a credora deverá adotar outros meios para pressionar o devedor a quitar seu débito. De acordo com informações do processo, as pesquisas básicas para localização de bens junto aos sistemas SISBAJUD, RENAJUD, SERASAJUD e CNSEG retornaram sem qualquer êxito.
Medidas executivas, tradicionais ou alternativas, devem guardar coerência para com o fim almejado e a diferença entre a sua adequação e o completo descompasso é sutil e merece não só uma boa dose de criatividade e técnica jurídica, como a atualização constante sobre os meios aptos a se transformarem em moeda de troca para o justo adimplemento da obrigação de pagar.
Falando nisso…
Pensemos a esse respeito sobre a decisão que liberou o passaporte da cantora Joelma após bloqueio em ação de cobrança de dívida trabalhista. Na decisão do tribunal recifense, a mesma linha de raciocínio teve vez: o bloqueio do passaporte da cantora teria se mostrado medida “extrema, desproporcional e desnecessária”, nas palavras da desembargadora Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino.
Logo se vê que mexer com a zona de conforto do devedor não é tarefa das mais fáceis, até mesmo porque, como diz o ditado popular, “cada cabeça, uma sentença!”
Portanto, para um juiz, aquele pedido que se mostra abusivo, pode, eventualmente, fazer sentido, mostrando-se justo. Cabe aos advogados, com parcimônia, procurar encontrar o equilíbrio, convencendo os magistrados de que os fins justificam os meios.
[1] AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Indeferimento de pedido de bloqueio das contas do agravado nos aplicativos IFood, Uber, Netflix e Spotify. Decisão acertada. Medidas de execução atípica ou indireta que não podem ser aplicadas indiscriminadamente. Necessidade da observância dos critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade. Bloqueio de contas em aplicativos que não permite alcançar, com certo grau de probabilidade, o resultado almejado. Precedentes desta C. Câmara. Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2195282-39.2023.8.26.0000; Relator (a):Daniela Cilento Morsello; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV – Lapa – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/10/2023; Data de Registro: 24/10/2023)
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