Nos últimos dias muito se falou sobre recente decisão do Supremo Tribunal Federal que deu aval a decisões de juízes acerca da apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e passaportes de devedores, assim como a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública.
O assunto é polêmico e o que estava em discussão era a validade de um artigo do Código de Processo Civil (CPC) que trata dos poderes, deveres e da responsabilidade dos juízes.
Trata-se do artigo 139, IV, do CPC, que indica a função do juiz no processo, permitindo que por ele sejam determinadas “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Pela redação do artigo, logo se vê que o juiz pode determinar o que entender pertinente para que as suas decisões sejam cumpridas pelo teimoso réu/devedor e, na prática, esse poder, evidentemente, deve ser usado de forma excepcional.
A discussão chegou ao órgão máximo do Poder Judiciário que entendeu que não há algo errado nesse poder do juiz, pois é inegável que aquele que tem o poder de decidir, igualmente deve ter meios de pressionar o cumprimento da ordem.
Falou-se muito da apreensão de CNH e passaporte, pois são medidas que passaram a ser normalmente pedidas pelos credores como forma de serem, enfim, atendidos pelos devedores, eis que, para muitos, a condenação, o nome na lista de cadastros de inadimplentes e nas pesquisas dos sites dos tribunais já não fazem mais diferença
Usando a máxima, então, de que muitas vezes só palavras não são capazes de fazer com que alguém mude ou aja, no processo judicial não é diferente. É preciso trazer para a realidade do devedor o que pode lhe fazer pagar a sua dívida.
Significa dizer que, na prática, deve existir uma ordem de tentativa de cumprimento da decisão judicial e o pagamento em dinheiro é sempre a primeira opção. Portanto, é evidente que se dará preferência para pesquisa de saldos em contas bancárias. Com a negativa, bens móveis e imóveis servem também como forma de pagamento, através da penhora para futura venda.
A apreensão de CNH, passaporte e o cancelamento de cartões de crédito, por exemplo, não se mostram adequados para o primeiro pedido para que o devedor cumpra a decisão judicial.
E na realidade, o juiz só terá boas e adequadas medidas contando também com o empenho e a criatividade do advogado do credor que, por certo, terá mais condições de saber o que pode, de fato, atrapalhar o devedor a ponto de fazê-lo mexer no bolso e pagar o que deve.
Segundo o ministro Luiz Fux, a adequação da medida a ser aplicada pelo juiz deve ser analisada caso a caso e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso.
Verifica-se, como exemplo, que a restrição não se aplica àquele que necessita da CNH para o exercício do seu trabalho, como motoristas e caminhoneiros, por exemplo, o que impactaria no meio de subsistência do devedor.
Portanto, é preciso cuidado! Um rápido giro pelas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) mostram que os julgadores têm sido extremamente cautelosos e cuidadosos quando o assunto é medida alternativa para obrigar o cumprimento da decisão judicial.
Nas recentíssimas decisões, conforme exemplos abaixo, logo se vê que o tribunal bandeirante optou por puxar o freio de mão quando o assunto é suspender/apreender a CNH, passaporte e cartões de crédito. Na prática significa dizer que, o que se mostra razoável, é que o credor comprove ter percorrido previamente um significativo caminho para vencer o devedor fugitivo:
Processual. Indenizatória. Cumprimento de sentença quanto a honorários sucumbenciais. Dificuldade na localização de bens dos executados. Pretensão da advogada-exequente, à luz do art. 139, IV, do CPC, de retenção do passaporte e bloqueio da CNH e cartões de crédito dos executados. Medidas indevidas e despropositadas, segundo o entendimento pacífico desta C. Câmara. Jurisprudência mais recente do STJ, contudo, que vem admitindo a providência, em caráter excepcional. Necessidade, contudo, à luz desse entendimento, de que existentes indícios de disponibilidade de patrimônio expropriável, e, portanto, de ocultação de bens. Requisito não satisfeito no caso concreto. Requerimento de bloqueio que se baseou (assim como o presente recurso) na singela circunstância da falta de localização de patrimônio em nome dos devedores. Insuficiência da justificativa. Decisão agravada, denegatória das providências, confirmada. Agravo de instrumento da exequente desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2276630-16.2022.8.26.0000; Relator (a): Fabio Tabosa; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/02/2023; Data de Registro: 15/02/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Interposição contra decisão que indeferiu o pedido de bloqueio da CNH e passaporte da executada, para compelir ao adimplemento. Ausência de correspondência da medida determinada com o débito. A suspensão do direito de dirigir e passaporte produz efeitos que se distanciam da pretensão deduzida em Juízo. A aplicação do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil deve ser norteada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, observados os direitos constitucionais. Medida desproporcional que não assegura a efetividade da execução. Precedentes. Ausência de demonstração, ademais, de patrimônio da devedora apto a cumprir a obrigação a ela imposta, a justificar a imposição das medidas requeridas. Decisão mantida. (TJSP; Agravo de Instrumento 2014777-53.2023.8.26.0000; Relator (a): Mario A. Silveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cardoso – Vara Única; Data do Julgamento: 15/02/2023; Data de Registro: 15/02/2023)
Agravo de Instrumento – Decisão que indeferiu pedido de suspensão da CNH da executada. Art. 139, inciso IV que encontra mitigação nos artigos 8º e 805, todos do CPC. Medida coercitiva pretendida pela agravante que ultrapassa os limites da proporcionalidade e razoabilidade e não revela qualquer efeito que seja eficaz e útil ao procedimento executório – Decisão Mantida – Agravo Desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2285322-04.2022.8.26.0000; Relator (a): Ramon Mateo Júnior; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de São João da Boa Vista -1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/02/2023; Data de Registro: 14/02/2023)
E há casos em que, mesmo com medidas tão restritivas, não se chega a lugar algum:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS DE CONSTRIÇÃO ATÍPICAS. APREENSÃO DE PASSAPORTE, SUSPENSÃO DA CNH E CANCELAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO. MEDIDAS DEFERIDAS HÁ MAIS DE 3 ANOS, QUE NÃO MOSTRARAM EFETIVIDADE OU COERCITIVIDADE PARA O ADIMPLEMENTO DO DÉBITO. INUTILIDADE NA MANUTENÇÃO, PROCEDIMENTO EXECUTIVO QUE NÃO PODE SE TRANSFORMAR EM MERO CONDUTOR DE PENALIDADE AO EXECUTADO. UTILIDADE DO PROCESSO QUE DEVE PERMEAR TODOS OS ATOS PROCESSUAIS. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2264445-43.2022.8.26.0000; Relator (a): César Zalaf; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sertãozinho – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/02/2023; Data de Registro: 01/02/2023)
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