A aquisição de um imóvel, quer seja para moradia, quer seja para investimento é sempre um passo importante na vida do comprador.
Tal decisão implica em expressivas consequências para aquele que compra o imóvel. Por conta disso, requer cuidados à altura, especialmente em se tratando de imóveis na planta, ocasiões em que as construtoras, inegavelmente, têm posição privilegiada em relação aos consumidores.
Este artigo diz respeito exclusivamente aos imóveis na planta, aos seus contratos e alguns dos possíveis riscos envolvidos no processo de compra. Importante ficar claro que cada contrato é único, ainda que padronizado e realizado com a mesma construtora. Isso porque, cada negociação tem suas próprias particularidades, sendo usual que um consumidor faça pedidos, exigências e apresente determinadas condições distintas daquele que será seu vizinho de porta quando o empreendimento for entregue.
Abaixo vocês encontram o relato pessoal de profissional da nossa equipe que recentemente vivenciou, na qualidade de consumidor, a experiência de comprar um imóvel na planta. Segue a visão dele dos trâmites junto ao corretor, à construtora e ao departamento jurídico da outra parte:
“Quem já teve a oportunidade de visitar um stand de vendas, verdadeiramente interessado na compra de imóvel na planta, sabe bem como é atmosfera criada pela vendedora na busca do fechamento do negócio.
Um ambiente elegante, estrutura imponente, recepção calorosa, tudo para gerar boa impressão e aquela euforia própria de quem pretende tomar uma decisão de tamanha importância.
A decoração maravilhosa do apartamento modelo certamente contribui para melhor aceitação das informações transmitidas de forma gentil e amigável pelos corretores. É criado todo um clima para que você já se veja como morador daquele maravilhoso empreendimento (ainda que, verdadeiramente, o negócio não seja tão bom queiram te convencer de que é).
Porém, o contexto carrega um certo tom de urgência e os corretores adotam táticas de vendas consagradas: algumas expressões que trazem verdadeiros gatilhos sobre a necessidade de rapidez e “reserva da unidade”, diante da suposta alta procura e sucesso já na pré-venda!
É inegável que todo esse ambiente nos conduz a acreditar que tudo é muito fácil, tranquilo e que basta assinar na linha pontilhada daquele contrato enorme, repleto de juridiquês, que antes se mostrava tão ameaçador, mas que agora já não tem tanta importância, pois, de certa forma, somos tomados por uma espécie de anestesia diante da iminente aquisição, fazendo com que o contrato se torne mera formalidade, bastando a assinatura.
No entanto, caros leitores, nem tudo são flores e como advogado já sabia muito bem o que me esperava. Mantive minhas emoções de lado para a fase da análise do contrato, quando passei de consumidor leigo para advogado, transformação que foi consumada ao olhar para minha esposa e dela ouvir:
“Essa parte é com você, amor, eu li um pouco e não entendi nada…vou assinar se você disser que tá ok.”
Necessária a transcrição dessa fala da minha esposa porque traduz exatamente os relatos de muitos dos nossos futuros vizinhos (ou quase futuros vizinhos), que não tiveram o auxílio de um advogado e infelizmente enfrentaram problemas, alguns mais fáceis de resolver e outros que os levaram à desistência, frustração e grande prejuízo financeiro.
Em simples consulta ao acervo de jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, verifica-se que muitos consumidores se socorrem ao judiciário para buscar solução envolvendo compra de imóveis na planta, especialmente quando os compradores decidiram desistir do negócio e foram “surpreendidos” pela informação de que a construtora não faria a devolução 50% do que foi pago à vendedora e da integralidade do valor pago a título de comissão do corretor que realizou a venda.
Para melhor compreensão, vamos a um exemplo: adotando-se hipoteticamente o valor total de aquisição de um imóvel como R$ 1.000.000,00, se até a desistência foi paga a quantia de R$ 300.000,00 à construtora, além do valor integral da comissão que em média é de 5% do valor total da transação, significa dizer, que o comprador perderá o valor total de R$ 200.000,00 – sendo R$ 150.000,00 para a construtora (50% do valor pago) e R$ 50.000,00 (correspondentes à integralidade da comissão).
Isso grosso modo, pois, se houver pendências com correção de INCC, parcelas em atraso, expedição do ‘habite-se’ que altera o índice, gastos de registro de cartório e implantação de condomínio com taxa condominial, financiamento bancário, dentre outros, poderá haver alteração no valor a ser ressarcido pela construtora, que eventualmente corre o risco de ser muito menor, ou ainda, vir a ser zero ou até mesmo negativo, de modo que o consumidor fique em débito com a construtora.
Segundo exposto acima, consumidores relatam total surpresa quando são informados sobre as multas previstas no caso de desistência, porém, tais multas constam do contrato.
Acaso os consumidores interessados na aquisição da unidade tivessem contado com assessoria jurídica antes da assinatura do contrato, uma vez informados e cientes dessas multas teriam declinado da compra, se já pudessem antever problemas que os levassem à necessidade de desistir do negócio, perdendo boa parte do valor investido.
Pois bem, esse foi apenas um triste caso e apenas um dos possíveis problemas que podem ocorrer dentre tantos levados diariamente ao Judiciário.
Em se tratando de distrato, conforme previsão contida na Lei nº 13.786/2018, duas são as multas possíveis, nas porcentagens de 25% e 50% do valor pago, isso a depender se o empreendimento foi submetido ao regime de afetação, bem como o valor a título de comissão.
Importante aclarar que ainda que a previsão da multa do contrato esteja de acordo com a lei, há certa divergência em relação à porcentagem pelos magistrados, pois para alguns o contrato faz lei entre as partes “pacta sunt servanda”, enquanto que para outros, embora haja previsão na lei e no contrato, o consumidor não pode ser colocado em desvantagem excessiva. Se assim ocorrer, deve ser arbitrada retenção da multa em patamar inferior à própria previsão da lei, como na ementa abaixo, em que o magistrado determinou a devolução de 85% dos valores pagos à construtora.
COMPRA E VENDA. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS APÓS RESCISÃO DOCONTRATO. Sentença de parcial procedência para declarar a rescisão do contrato, mantidas as disposições do negócio jurídico relativas à retenção de valores. Insurgência dos autores. Pretensão ao reconhecimento de culpa exclusiva das rés. Não acolhimento. Suposta nulidade de cláusula relativa à correção monetária das parcelas que poderia ensejar ação revisional do contrato, mas não justificaria a rescisão do contrato por culpa da vendedora. Restituição de valores. Direito de retenção da vendedora. Contrato celebrado após a Lei 13.786/2018. Impossibilidade de retenção de 50% das parcelas pagas. Autorização prevista na nova Lei do Distrato que não pode implicar, na prática, desvantagem exagerada ao consumidor. Retenção pretendida que implicaria perdimento de parcela expressiva do montante pago. Adequada, no caso, a devolução de 85% das parcelas pagas, conforme jurisprudência iterativa, abatida a comissão de corretagem. Sentença reformada neste ponto. RECURSO PROVIDO EMPARTE.” (TJ-SP APL: 1011158-26.2023.8.26.0100, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 11/06/2024, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/06/2024 (grifo nosso).
Ainda que essas questões possam ser discutidas na Justiça, ninguém que adquire um imóvel quer perder dinheiro, tampouco passar anos se desgastando e brigando no Judiciário, o que inclusive envolve mais custos com advogados e custas processuais.
Neste artigo não tive por objetivo ser pessimista ou frustrar a compra do tão sonhado imóvel, pelo contrário, sabendo o quão importante é esse momento, a ideia foi trazer o ensinamento de que é preciso saber em que terreno estamos pisando, ou seja, quais as regras do jogo, afinal estamos diante de um contrato padrão, o chamado contrato de adesão, aquele que por definição não comporta muitas mudanças, portanto, salvo raras exceções, são implementados ajustes menores caso a caso”.
Esperamos que o relato acima possa contribuir para alertar que é preciso entender a dinâmica da negociação, contando com a assessoria de quem tem conhecimento no assunto e seja não só capaz de explicar as cláusulas e suas consequências, como também apresentar as recomendações pertinentes.
Neste sentido, não é exagero afirmar que a assessoria jurídica vai além da simples leitura do contrato, envolve análise de uma série de documentos, tais como contrato compra e venda com a construtora, contrato de comissionamento, análise da matrícula do empreendimento, análise da matrícula individual da unidade se já tiver sido individualizada, além disso há uma análise de processos envolvendo a construtora e possíveis questões levadas ao Judiciário que possam trazer à tona a postura da vendedora em contextos de conflitos.
Por fim, vale lembrar que contrato é coisa séria e que os imóveis têm custo elevado que envolve tanto a sua aquisição, assim como os valores com a documentação e reforma, além de toda a burocracia envolvida, então, ser diligente contando com assessoria de um advogado especializado da sua confiança pode afastar boas dores de cabeça.
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