Em razão das circunstâncias, fama e pouca idade, a trágica morte do jovem Kevin Nascimento Bueno, o MC Kevin, recentemente ganhou os noticiários e as rodas de conversas.
A união de fatores, como juventude, funk, ostentação, redes sociais e final trágico, aumentou a temperatura dos debates, principalmente na internet.
O que apimentou as discussões foi a entrevista da mãe do MC Kevin para a apresentadora Ana Maria Braga, em 19 de maio de 2021. Na ocasião, ela esclareceu que, na realidade, o filho não era casado com a advogada Deolane Bezerra, tal como havia sido anunciado nas redes sociais. Segundo a genitora, havia um noivado, mas não houve casamento propriamente.
E qual a importância disso?
Basicamente, toda!
Com a morte do cantor, terá vez o inventário dos bens deixados por ele, ou seja, nos termos da lei, o patrimônio será transmitido para quem de direito. É inquestionável que o cantor deixou uma filha e mantinha relação amorosa com a advogada Deolane.
Se essa relação amorosa não se convolou em casamento, conforme disse a mãe do cantor, resta saber como tal relacionamento pode ser denominado: existiu um namoro ou se tratou de união estável, independentemente de terem ficado noivos.
Qual o impacto disso?
A participação na sucessão do cantor. Caso fique comprovada a união estável da advogada com o cantor, ela terá participação nos bens deixados, concorrendo com a filha do cantor.
Por outro lado, se comprovado mero namoro (ainda que seja o chamado namoro qualificado), a então namorada não atenderá aos requisitos necessários para a condição de sucessora dos bens do falecido.
No caso, pode haver discussão judicial a fim de caracterização correta da relação amorosa, de acordo com a realidade fática do casal. E para tanto, há interesses antagônicos que contarão com as armas (leia-se ‘provas’) disponíveis.
Em se tratando de união estável, importantes requisitos devem ser comprovados, sobretudo aqueles formados por detalhes da vida pessoal e informações públicas no sentido de existir o conhecimento da relação do casal por parte da coletividade que com ele conviva, seja ela pequena ou, no caso de um famoso, uma legião formada por seguidores que acompanham os detalhes publicados sobre a vida de ambos.
E o que tem se mostrado crucial quando se fala em prova da união estável, para o bem ou para o mal?
As redes sociais!
O que se mostra … o que se é declarado nos perfis das redes sociais, como no caso da identificação do status amoroso na página de relacionamentos “Facebook” e na descrição (‘bio’) do Instagram.
Famosos ou anônimos, usuários das redes sociais, uns mais, outros menos, porém, rotineiramente, dividem com os amigos ou seguidores o dia a dia e, muitas vezes, na ânsia de mostrar o que não é real, caracterizam determinada situação para promover exibição e, como se diz, “viralizar”.
É importante estar atento!
Mesmo aquele que ainda não casou, mas faz juras de amor, compra aliança, realiza viagens, festas e confraternizações, mostra sua rotina de convivência intensa e duradoura com certa pessoa, poderá estar trazendo ao público uma mensagem que talvez não se correlacione com a realidade.
No caso do MC Kevin, ele e a advogada Deolane haviam postado juras de amor vestidos de noivos em outro país, usando alianças nas mãos direitas, com frases e brincadeiras que denotavam a nova condição de casados.
Por isso a surpresa quando a mãe de Kevin desdisse tudo o que estava na vitrine (‘feed’) da rede social de ambos.
E agora, teria o MC Kevin apenas um namoro qualificado com a advogada ou, de fato, havia uma união estável?
A resposta dependerá das provas.
E para isso, a história contada e ilustrada pelo casal nas redes sociais contará! E muito!
É isso o que mostra uma série de decisões do Judiciário Paulista, conforme trechos selecionados de sentenças recentes:
1) Nesse primeiro caso[1], o objetivo da autora da ação era afastar a caracterização de união estável, já que perdeu o benefício de pensão por morte do pai. Porém, o julgador reconheceu que os seus argumentos contradisseram o que havia formado de história de vida nas redes sociais:
“(…)
A demandante identifica-se como casada em rede social desde pelo menos 2014 (pág. 119), o mesmo fazendo a companheira, sendo certo que ambas já utilizavam, como nome social, os próprios nomes acrescidos dos patronímicos da companheira (R.S.C. e E. S.).
Podem ser observadas, outrossim, nas postagens colacionadas, inúmeras fotografias relativas a eventos, comemorações festas e declarações de amor em datas variadas.
(…)”.
2) Nesse outro[2], o objetivo da autora da ação era o contrário, ela queria comprovar a união estável para ter direito à pensão do INSS, mas não teve êxito.
“(…)
Em adição a isso, M. J. Q., irmã do de cujus e declarante do óbito (fl. 14), não informou que este mantinha união estável com a autora, o que é verossímil, haja vista que, em suas redes sociais pessoais, a exemplo da página de relacionamentos “Facebook”, a própria autora não indicava publicamente que vivia em união estável – não obstante tal opção estivesse disponível para marcação, tendo apontado que estava “em um relacionamento sério” a partir de 02/08/2015 (fl. 134)
(…)”
De qualquer forma, voltando ao MC Kevin, é importante lembrar que para caracterizar a união estável, não bastará a publicidade fortemente presente na relação amorosa diante da intensa divisão da rotina nas redes e do alcance destas. Um ingrediente decisivo deverá estar presente no conjunto probatório: a intenção de constituir uma família.Para aqueles que usam as redes sociais para “vender” ou maquiar uma versão de vida que não se mostra real, fica a dica da relevância que as provas oriundas das redes sociais massivamente presentes nas rotinas das pessoas têm!
[1] Processo nº 1000989-38.2019.8.26.0223 – Comarca de Guarujá
[2] Processo nº 1001894-04.2019.8.26.0236 – Comarca de Ibitinga
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