Nesse artigo abordaremos duas características vitais da obrigação de pagar alimentos: trata-se de ato personalíssimo e intransmissível.
E o que isso quer dizer?
Vamos explicar com um caso recente.
Notícia publicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no dia 22 deste mês, dando conta da decisão que declarou a nulidade de acordo que transferia a responsabilidade de pagar alimentos de filhos à empresa, bem demonstra o alcance da restrição.
Na situação que chegou à 3ª Vara da Família e das Sucessões de Santos, os pais de três crianças celebraram acordo e fixaram cláusula alimentar estabelecendo que as despesas dos filhos seriam arcadas pela empresa na qual ambos eram sócios.
Após a celebração do acordo, o pai deixou a sociedade, o que, na prática, culminou por deixar apenas ao encargo da ex-esposa o sustento dos filhos.
Para a juíza responsável pelo julgamento do caso, Mariella Amorim Nunes Rivau Alvarez, a obrigação de pagar alimentos é “personalíssima e intransmissível”, tendo sido declarado nulo o acordo na parte que a transferiu à empresa.
O termo personalíssimo é derivado do latim personalis, que significa “inerente à pessoa” e exprime o que é privativo ou exclusivo a alguém. Quando o termo se refere às obrigações, como a de prestar alimentos, imprime-lhes o sentido de que não podem ser transferidas da pessoa que as assumiu, para que possam ser cumpridas por outra.
Decorrência lógica da obrigação personalíssima é a sua intransmissibilidade, ou seja, se é própria e exclusiva de alguém, não pode ser cedida ou repassada para outro, nem mesmo pessoa jurídica que conta com a participação societária do devedor, como foi o caso.
Na situação acima, ao ser declarada nula, a cláusula não é capaz de produzir efeitos, “nem que o terceiro responda pela obrigação legalmente atribuída aos genitores”, conforme enfatizado pela julgadora.
Embora caiba recurso da decisão, a nosso ver é improvável a sua alteração, pois a questão é estritamente de direito e versa sobre assunto excepcional, como é o caso da obrigação personalíssima em apreço.
É importante ressaltar que, ainda que as pessoas possam ter certa liberdade de contratar e firmar acordos, existem matérias que trazem limitações intrínsecas, como é o caso dos chamados direitos indisponíveis.
Neles estão os direitos dos filhos à regulamentação da guarda, da visitação e da pensão alimentícia. São matérias que não podem ser livremente negociadas em detrimento do bem-estar dos filhos.
Sem contar que acordos relativos à pensão alimentícia de menores estão sujeitos à homologação judicial, mesmo para situações de divórcio consensual ocorrido na via extrajudicial.
Para finalizar, trazemos mais alguns exemplos de acordos que podem ser tidos como nulos:
– Acordos que condicionam o pagamento de alimentos a uma determinada conduta ou condição: aqueles que condicionam o pagamento de alimentos à realização de visitas ou ao cumprimento de outras obrigações. A obrigação de prestar alimentos é incondicional.
– Acordos “lacunosos”: aqueles que são vagos, sem informações importantes para preservar adequadamente os interesses de menores, como não fixação de visitas, de data para pagamento da pensão, de reajuste, de regras para cobertura de despesas eventuais etc.
– Acordos que estabelecem valor irrisório: aqueles que trazem um valor de alimentos muito aquém do necessário para garantir a subsistência e o desenvolvimento da criança ou adolescente.
Com isso, logo se vê que o assunto é delicado e complexo, merecendo cuidado à altura, de modo a permitir que a criatividade funcione como aliada e não acabe colocando em risco a própria existência da cláusula alimentar.
Entre em contato conosco!