Estamos no mês que há anos vem sendo dedicado a uma nobre causa: campanha do “Setembro Amarelo”. No Brasil, a data teve início em 2015 e o objetivo é conscientizar e prevenir a ocorrência do suicídio.
Em se tratando de suicídio, a primeira ideia que vem à mente é a gravidade do sofrimento psíquico que deve assolar a vítima ao ponto de que venha a tirar sua própria vida.
Inúmeras podem ser as causas e diversas também podem ser as doenças psíquicas, mas acreditamos que a principal delas seja a depressão.
Terrível doença que vem atormentando muito a sociedade atual, como pode ser observado pelo vertiginoso aumento no uso de antidepressivos e estabilizadores de humor nos últimos anos[1]. Certamente se trata de doença que não escolhe classe social, idade, raça ou qualquer classificação que distinga uma pessoa da outra. Qualquer de nós simplesmente pode vir a ser acometido por ela, pois a dor é subjetiva.
Inúmeras podem ser as causas e uma delas é o ambiente de trabalho já que as pessoas passam tempo considerável nesse local ou mesmo se dedicando ao ofício no contexto do home office. Os principais fatores que podem servir de prejuízo às condições mentais dos indivíduos são o estresse, as cobranças excessivas e abusivas, o assédio moral e/ou sexual, a busca por metas inatingíveis, entre outras fatores.
Nesse contexto, a depressão pode ser considerada ocupacional ou doença do trabalho?
A resposta é sim.
Toda doença que guarda relação com o trabalho desempenhado pelo empregado dentro do ambiente laboral pode ser considerada doença ocupacional, dentre elas a depressão.
Como consequência lógica desse acontecimento, surgem as consequências legais que decorrem desse grave cenário, que pode ser também classificado como acidente de trabalho por equiparação. Listaremos alguns exemplos:
Abaixo, trazemos alguns julgados que condenaram as empresas em razão de depressão originada do ambiente de trabalho que elas proporcionaram aos seus colaboradores:
“(…) JORNADA EXCESSIVA, COBRANÇA ABRUPTA DE METAS, TRATAMENTO DESRESPEITOSO RECEBIDO PELO PREPOSTO DA RECLAMADA SR. ADILSON NATALINO, RITMO FRENÉTICO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO E REDUZIDO NÚMERO DE EMPREGADOS, foi acometida de DOENÇAS COM NEXO CAUSAL LABORATIVO.”E, ainda:”…foi acometida de uma DEPRESSÃO POR ESGOTAMENTO, a síndrome do esgotamento profissional, bem conhecida dos trabalhadores bancários: SINDROME DE BURN-OUT…” (ID. 1cb8e80 – Pág. 14, destaques no original). A reclamada nega os fatos, em defesa, ao argumento que nunca houve tratamento desrespeitoso por parte do Sr. Adilson, o ritmo de trabalho não era excessivo ou penoso e não havia cobrança de metas impossíveis (ID. 9cc211b – Pág. 29).Contudo, a prova oral produzida pela reclamante, cuja validade remanesce íntegra, logrou comprovar as suas alegações. Indagada, a testemunha declarou:”…o gerente regional foi o Sr. Adilson; que este gerente os humilhava, dizendo na frente de outros colegas: “o seu trabalho é ruim, você não sabe o que está fazendo, não era para você estar aqui, você deixou o seu tempo passar, não vejo a hora de te prejudicar”; que o gerente fez isso várias vezes; que a reclamante chorava em face desses fatos…”(ID. f0a4ba8 – Pág. 3).Por sua vez, as testemunhas ouvidas pela defesa nada disseram acerca dos fatos. Diante da prova testemunhal colhida, não há dúvidas quanto à ocorrência da alegada agressão verbal. E, ainda, que a ré responde por ofensas morais causadas por seus prepostos, função que, à época, o Sr. Adilson estava exercendo. Não bastasse, submetida à perícia, assim concluiu o Sr. Vistor:”6.1. Quanto à PATOLOGIA A autora é, atualmente, portadora de quadro depressivo, segundo critérios DSM IV. Não é possível inferir este diagnóstico à época dos fatos descritos no ítem 3.1.2.6.2. Quanto ao NEXO CAUSAL / CONCAUSALÉ possível inferir nexo concausal entre o labor e o quadro depressivo.6.3. Quanto à INCAPACIDADE Não há incapacidade relacionada ao quadro depressivo atual.” (ID. 8a89299 – Pág. 20, destaques no original). Daí, configurado o evento danoso, o nexo de causalidade com o trabalho e a conduta culposa da ré, o ato praticado pela empregadora enseja a obrigação de reparação, consoante exegese dos artigos 186 e 927, do Código Civil.
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000261-76.2016.5.02.0463; Data: 10-06-2020; Órgão Julgador: 5ª Turma – Cadeira 1 – 5ª Turma; Relator(a): DANIELLE SANTIAGO FERREIRA DA ROCHA)
(…) DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. DOENÇA PROFISSIONAL. DEPRESSÃO.
O exercício do “jus variandi”, pelo empregador, não pode implicar em afronta ao princípio da dignidade humana da pessoa – art. 1º, III, da Constituição Federal -, causando ao trabalhador dissabores que excedam as frustrações corriqueiras no desempenho do serviço, circunstância que autoriza a responsabilização por danos morais. (…)
(…) As condições de trabalho foram reconhecidas como causa única da doença desenvolvida pela Autora e que, no momento, provoca sua incapacidade laboral total.
É dever do empregador propiciar ambiente hígido de trabalho, no qual se incluem as condições de tratamento pessoal e relacionamento com colegas e superiores.
Nesse contexto, é devida a indenização por danos morais, no valor de R$50.000,00, que reputo consentâneo com o princípio da razoabilidade, a extensão do dano, o grau de culpabilidade e a capacidade econômica do Reclamado, sendo suficiente para atingir o efeito pedagógico da condenação.
Quanto aos danos materiais e lucros cessantes, tendo em vista que a Reclamante se encontra com incapacidade total temporária, sem perspectivas de alta médica, conforme o laudo pericial, é devida uma pensão mensal correspondente à diferença entre o valor recebido de benefício previdenciário e a remuneração do cargo de Gerente Geral, que exercia antes do afastamento, com todos os reajustes da categoria.
Igualmente, devem ser ressarcidas as despesas com os remédios que se destinem ao tratamento da doença diagnosticada, comprovadas através de recibos e receitas respectivas, assim como com consultas com médico especialista na área de saúde relativa à doença profissional, desde que comprovadas com recibo nominal.(…)
(TRT da 15ª Região; Processo: 0010290-66.2015.5.15.0047; Data: 19/04/2018; Órgão Julgador: Órgão Especial; Relator(a): LUIZ ANTONIO LAZARIM)
Como visto nessas decisões, para a Justiça do Trabalho condenar uma empresa pelo desenvolvimento de uma doença mental em seu colaborador, é imprescindível que as provas demonstrem, de fato, que o ambiente de trabalho foi o responsável.
Se o trabalhador não conseguir demonstrar esse vínculo por meio de prova oral e documental, assim como, se a perícia médica determinada pelo juiz do trabalho não reconhecer o nexo entre a doença e o trabalho, certamente os pedidos do trabalhador poderão vir a ser julgados improcedentes, tal como demonstramos nas decisões adiante:
DOENÇA OCUPACIONAL. DEPRESSÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Para se atribuir à ré a responsabilidade por doença ocupacional – transtorno ansioso depressivo, é necessário que seja robustamente demonstrado o nexo de causalidade entre o trabalho desempenhado na ré e o quadro depressivo apresentado, ônus do qual não se desincumbiu a autora. Recurso da reclamante desprovido.
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000392-29.2021.5.02.0058; Data: 13-06-2023; Órgão Julgador: 3ª Turma – Cadeira 2 – 3ª Turma; Relator(a): ELIANE APARECIDA DA SILVA PEDROSO)
Doença ocupacional. Indenizações. Não comprovado nos autos, por intermédio de prova pericial, o nexo de causa ou concausa entre as atribuições da autora na empresa ré e a doenças diagnosticadas (depressão e ansiedade), não faz jus a autora ao recebimento das indenizações postuladas. Recurso Ordinário da autora não provido.
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000054-94.2022.5.02.0066; Data: 22-05-2023; Órgão Julgador: 14ª Turma – Cadeira 2 – 14ª Turma; Relator(a): DAVI FURTADO MEIRELLES)
DOENÇA PROFISSIONAL. DEPRESSÃO. ASSÉDIO MORAL. FONTE DO DANO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO AMBIENTE HOSTIL. LAUDO MÉDICO DO ASSISTENTE DO TRABALHADOR. EXPEDIÇÃO DE CAT PELO SINDICATO. IRRELEVÂNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO EVIDENCIADO. A terrível doença de que se viu acometido o reclamante, depressão, tem difícil identificação de seu nexo causal. Na espécie, funda-se o pedido no fato de ter havido expedição de CAT e laudo médico psiquiátrico identificando o nexo da doença com o trabalho, ambos produzidos pelo sindicato de classe do reclamante. Tais documentos, por unilateralmente produzidos, isoladamente não gozam de força probatória. O perito médico indicou, nos autos, que a prova testemunhal configuraria o ambiente descrito pelo reclamante na diligência e, assim, configurar-se-ia o nexo de causalidade. Nenhuma prova foi produzida, indeferindo-se, também, o pedido de indenização por assédio moral, com base em tal omissão. Se não houve ambiente de assédio e agressão, não se pode atribuir nexo de causalidade entre a moléstia e o trabalho. O pedido deve ser julgado improcedente.
(TRT da 2ª Região; Processo: 1001998-93.2018.5.02.0221; Data: 13-12-2019; Órgão Julgador: 15ª Turma – Cadeira 3 – 15ª Turma; Relator(a): MARCOS NEVES FAVA)
Concluindo, fica o nosso alerta durante a campanha do Setembro Amarelo, para que as empresas sejam ativas e vigilantes para que proporcionem um ambiente de trabalho saudável e adequado. É crucial que as empresas, sobretudo por meio dos seus líderes, em que pese todos devam zelar pelo ambiente de harmonia, observem, cobrem e readéquem as suas condutas, como também as dos seus prepostos, a fim de se evitar o desenvolvimento da grave doença que é a depressão.
Aos trabalhadores que sofrem desse mal, nossa recomendação para que busquem o tratamento médico adequado e a defesa dos seus interesses por um profissional da sua confiança.
[1] https://jornal.usp.br/atualidades/busca-por-medicamentos-para-a-saude-mental-cresce-a-cada-ano-no-brasil/
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