Já explicamos aqui no blog sobre a expulsão do morador antissocial por parte do condomínio.
Assunto delicado e polêmico. Se quiser ler a respeito desse tema, basta clicar aqui.
Motivados por recentes e tristes episódios noticiados pela imprensa, em especial dois casos, um em que uma moradora agrediu violentamente uma babá que trabalhava no condomínio em que a agressora residia, tendo o empregador dela procurado intervir para defendê-la, vindo a ser agredido pelo marido da moradora e … ferido por disparo de arma de fogo pela própria moradora (ambos os agressores foram presos!) e o outro em que o agressor, morador que se voltou contra zelador e síndico procurando se valer de faca e martelo em seus ataques de fúria, que eram reiterados, haja vista que há notícia informando que nos últimos 11 anos o protagonista da violência foi preso por duas oportunidades e acusado de ser violento, racista e homofóbico por 15 pessoas, entre namoradas, funcionários e vizinhos, nesse artigo o ponto a ser abordado é: na prática, como se defender, juridicamente, procurando afastar ou inibir condutas violentas de um vizinho agressor.
Ora, não que as dicas constantes do nosso artigo a respeito da expulsão de morador antissocial não sejam eficazes. De fato, o são, no entanto, existe um determinado caminho, digamos, um certo “protocolo” a se cumprir até que se obtenha a expulsão daquele que não sabe conviver em condomínio. E, por vezes, a depender das circunstâncias, o tempo para que se cumpram as etapas habituais necessárias ao afastamento do morador ‘problemático’ pode expor a paz, a integridade física e até mesmo a vida de um ou mais condôminos a perigo irreparável.
O que fazer, então, para afastar em caráter de urgência um morador cuja presença implica em sério risco para seus vizinhos?
Será que se pode cogitar na aplicação de medida protetiva, tal como prevê a Lei Maria da Penha, em se tratando de problemas com vizinhos em condomínio?
Como a Justiça vê essa questão?
As respostas para as questões acima têm em comum uma máxima: Direito é bom senso!
Significa dizer que a despeito do nome da medida jurídica que se busque obter, de existir previsão legal específica a seu respeito ou não e do nome que se resolva atribuir à ação judicial, dependendo dos fatos, interesses e bens juridicamente tutelados, a Justiça acolherá, sim, os anseios daquele que lhe pedir socorro, desde que comprovadas as alegações, sobretudo o perigo na demora de uma decisão definitiva e a aparente existência do Direito demonstrado.
Nada melhor do que exemplos para facilitar a compreensão da informação que pretendemos compartilhar no afã de proporcionar conhecimento que porventura possa ser útil, não só a você, nosso leitor, como também a alguém das suas relações.
Primeiro exemplo: muito embora a aplicabilidade da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006) tenha como premissa a proteção da mulher, já em 2021 houve pioneira decisão judicial concedendo medida protetiva fundamentada na referida lei para um homem homossexual que vinha reiteradamente sendo ofendido e agredido por seus vizinhos, em razão da sua orientação sexual[1]. Reconhecendo que a lei em questão se destinava à segurança da mulher vítima de violência doméstica e familiar, ponderou o magistrado que a lei deveria ser aplicada para proteger grupos vulneráveis e que o ambiente condominial se comparava ao ambiente doméstico:
“Nada impede que o Magistrado amplie o alcance da Lei de Violências, não para aplicá-la na integralidade, mas apenas na parte que determina que se evite novos ilícitos ou potenciais desarmonias nas relações entre vizinhos, como no caso em apreço.”
A decisão judicial impôs que os vizinhos ofensores mantivessem ao mínimo 300 metros de distância da vítima e dos seus familiares, abstendo-se de contatos por telefone, e-mail, WhatsApp ou quaisquer outros meios diretos ou indiretos.
Outro bom exemplo: em princípio, conforme afirmado acima, a Lei Maria da Penha pressupõe a existência de vulnerabilidade do gênero feminino, por tal razão se destina a proteger as mulheres. Exige ainda essa lei que a violência se dê no âmbito da unidade doméstica ou familiar, que tenham agressor e vítima alguma relação de afeto (não se exige vínculo familiar e se admite relacionamento esporádico). Então, em regra, essa lei tem como objetivo a proteção de namoradas, esposas, companheiras e filhas dos seus respectivos namorados, maridos, companheiros e pais. Pode parecer afastada, em tese, a aplicação da lei para ocorrências entre vizinhos. No entanto, decisão judicial em decorrência de briga entre vizinhas conferiu medidas protetivas com base na Lei Maria da Penha à idosa de 81 anos e seus familiares[2], determinando que a agressora se abstivesse de adentrar à casa da vítima, dela se aproximar, conversar com ela ou com sua família, tudo por conta de discussões, xingamentos, ameaças e agressões motivadas pela poda de uma árvore cujos galhos sujavam o quintal da agressora.
“(…) O Ministério Público opinou favoravelmente à concessão das medidas requeridas às fls. 37/38. Há relatos de reiteradas agressões verbais e físicas a pessoa vulnerável (81 anos), além de ameaças graves à integridade física e à própria vida da suplicante. Assim, diante dos elementos contidos no presente, DEFIRO A CONCESSÃO DAS MEDIDAS PRETENDIDAS PELA REQUERENTE e com fulcro no artigo 22 da Lei Maria da Penha, determino: a) Proibição da requerida de acesso ou frequência à residência e locais de trabalho da suposta ofendida (ateliê/galeria e locais em que a autora possa promover vernissages), nos termos do artigo 319, II do CPP; b) Proibição de aproximação junto à suposta ofendida. Deixo de impor distância em metragem específica, conquanto vizinhas, mas estipulo distância na qual não seja possível qualquer contato físico; c) Proibição da requerida de ter contato com a requerente e seus familiares por qualquer meio de comunicação; d) Proibição da agressora de contatar a agredida por qualquer meio de comunicação (artigo 319, III do CPP). Intimem-se as partes envolvidas, ficando consignado que o descumprimento da ordem poderá ensejar crime de desobediência e prisão preventiva.”
Da leitura dos exemplos acima, não restam dúvidas de que muito embora a Lei Maria da Penha não seja, originariamente, destinada à solução de conflitos de vizinhança, nada impede que tenha alguns dos seus dispositivos aplicados em casos de brigas entre vizinhos, excepcionalmente ainda que para amparar vítima que não seja mulher. Nesse sentido vem decidindo o Poder Judiciário.
Por fim, independentemente da Lei Maria da Penha, por certo que os bons advogados têm conhecimento de que no nosso Ordenamento Jurídico existem dispositivos legais aptos a conferir segurança e embasar pedidos que podem obter, com urgência, decisões judiciais capazes de afastar a presença de moradores que indubitavelmente apresentem risco aos demais condôminos, primando pela paz da coletividade e integridade física daqueles que vivem em condomínio.
[1] https://www.migalhas.com.br/quentes/351464/homossexual-consegue-medida-protetiva-em-condominio-por-maria-da-penha
[2] https://www.conjur.com.br/2016-mar-22/juiz-usa-lei-maria-penha-resolver-briga-entre-vizinhas
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