Não é de hoje que as opiniões e desabafos são feitos na Internet. Muitos escolhem as redes sociais para compartilhar seus sentimentos, não somente alegrias, como também frustrações e tristezas.
E isso em diversos aspectos: familiares, amorosos, profissionais etc. Fato é que o alcance dos comentários no meio digital é mais significativo do que aqueles no “tête-à-tête”.
Junto disso vêm as consequências para o indivíduo ou grupo de pessoas que interagiu em determinada rede social.
Para melhor ilustrar o que um comentário é capaz de provocar, trazemos dois casos reais e recentes que bem demonstram a importância de pensar e repensar antes de que decida por uma postagem.
Em Amparo, interior de São Paulo, beneficiário de plano de saúde foi condenado a indenizar a Unimed por dano morais, no valor de R$ 10.000,00[1].
A operadora se viu ofendida por publicação do consumidor nas redes sociais quando, a seu ver, sua atitude encontrava-se correta e em conformidade com as normas de regência da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Segundo constou da sentença, o consumidor, réu na ação em que a Unimed se saiu vencedora[2], deu entrada nos pedidos de cirurgias eletivas, sem caráter de urgência ou emergência, sendo que a norma de regência aponta o prazo de 21 dias úteis para a liberação. Com isso, segundo a operadora, ela teria até 25/07/2022 para a finalização de todo o trâmite de análise da auditoria médica.
Em 01º/07/2022, porém, o réu (beneficiário do plano) realizou postagens[3] nas redes sociais que, conforme entendimento da juíza, desabonaram a honra da Unimed que teria agido dentro dos limites impostos pela ANS.
Em sua defesa, o consumidor alegou que a sua liberdade de expressão deveria ser respeitada, tendo feito as postagens em momento de muito transtorno e dor e que isso devia ser levado em consideração.
Porém, para a juíza, a liberdade de expressão não é absoluta, a postagem feita pelo consumidor em grupo de discussões caiu como um rastilho de pólvora, tendo incitado muitas manifestações pejorativas e ofensas à operadora de renome nacional.
Para a julgadora, não pareceu razoável que o consumidor levasse às redes sociais toda a sua fúria e descompasso, tendo em vista que a Unimed agiu no estrito âmbito do procedimento determinado pela ANS.
Sem contar que, para ela, o laudo médico não apontou que o caso deveria ter prioridade, o que o caracterizou como cirurgia eletiva, de modo que a autorização teria se dado antes do término do período de 21 dias e o beneficiário fora submetido ao procedimento cirúrgico.
Concluiu a julgadora no sentido de que o consumidor teria extrapolado os limites do seu direito de expressão, tendo ficado claro que o objetivo era o de também engajar a comunidade para, da mesma forma, desferir comentários e provocações, sem razão e respaldo. Ademais, a postagem do beneficiário foi acompanhada de montagem com o uso da logomarca da Unimed, sem qualquer autorização.
Nesse sentido, além da condenação do consumidor ao pagamento de 10 mil reais para a Unimed, ficou determinado que fosse feito um pedido de retratação pública nas redes sociais pelo mesmo canal usado para o desabafo. A sentença foi objeto de apelação no último dia 04.
O segundo caso traz a decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) de reintegrar funcionária dos Correios demitida por criticar a empresa nas redes sociais.
Diferentemente do caso do consumidor de Amparo, a publicação que provocou a dispensa por justa causa da trabalhadora baseou-se em enxuta frase: “Escrava na empresa Correios”. Enxuta o suficiente para fazer nascer o imbróglio e os entendimentos diversos dados ao longo do processo.
Em primeira instância, a 4ª Vara do Trabalho de Santos (SP) afastou a justa causa e condenou os Correios a reintegrar a agente. Segundo se entendeu, a empresa deveria ter observado a gradação da punição.
Em segundo instância, a reviravolta: o TRT – 2ª Região considerou válida a dispensa por entender que o ato da agente, além de expressamente proibido pelo manual da empresa, é grave o suficiente para caracterizar a quebra de confiança.
Voltando à estaca inicial
E a briga continuou e chegou ao TST[4]. O tribunal superior entendeu que o ato da agente foi reprovável, passível de punição, mas não o suficiente para que a penalidade máxima fosse a primeira providência. Com isso, ficou entendido que a dispensa foi inválida.
Conclusão
Podemos ver que, na relação de trabalho e na relação de consumo, a liberdade de expressão deve guardar observância aos limites da razoabilidade, principalmente em se tratando de manifestação no meio digital.
A relação de trabalho é ainda mais sensível, haja vista ter como base a confiança que a pauta. O exercício desse direito, inclusive em contexto externo ao ambiente de trabalho requer o cuidado de que se respeite e preserve a imagem da empresa, obrigação própria a todo o contrato de trabalho.
[1] Processo nº 1002621-18.2022.8.26.0022 – 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo-SP
[2] Sentença não definitiva. Processo foi objeto de recurso de apelação em 04/08/2023.
[3] “DEVIDO AS BUROCRACIAS DA UNIMED AMPARO AINDA NÃO CONSEGUI ACABAR COM O MEU SOFRIMENTO” O que adianta pagar convênio médico por mais de 23 anos???? Como todos sabem, estou passando uma crime (sic) intensa de Hérnia de Disco 15S1 na lombar, onde me provocou um travamento de coluna, que vem me causando dores terríveis, já estou fazendo uso de medicamentos muito fortes para dores, como exemplo tramal, anti-inflamatório e até mesmo morfina e nada resolve. Já realizei todos os exames médicos, já passeio por consulta com neurocirurgião, onde esse especialista determinou que meu caso é realmente necessário intervenção cirúrgica. Então realizei todos os procedimentos necessários pré operatórios que me foram solicitados, porém a Unimed Amparo não autorizou ainda a minha cirurgia pois relata que é necessário 21 dias úteis ou seja mais de 30 dias corrigidos (sic) no mínimo de espera. Já realizei diversas reclamações no atendimento deles, já falei na ouvidoria e nada se resolve. Meu Deus até quando vou ter que ficar aguentado (sic) tanto (sic) dor e tanto sofrimento chegando no ponto de não poder realizar um gesto simples de sentar para almoçar com a minha família ou ir fazer a necessidades básicas sem sofrer terríveis dores? Isso é desumano! Mesmo amparado na maior Lei que rege no pais nossa carta Magda (sic) Constituição Federal que no seu artigo 5º regra que: Artigo 5º: Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Isso significa que: Ninguém pode sofrer grande sofrimento mental ou físico sem uma solução imediata. Aí pergunto: qual a vantagem de pagar 23 anos um plano médico? Eu penso que a Unimed de Amparo tem esses tipos de comportamentos desrespeitosos com seus clientes que estão necessitando de uma cirurgia, devido ser a única cooperativa de saúde de nossa região, o famoso monopólio que sabemos não ser nada bom para a população. Agora só me resta oração a todos e colocar na mão de Deus, e aguardar a tão sonhada e necessitada cirurgia”.
[4] Processo nº 1000864-41.2018.5.02.0444 (TST)