A vida a dois vai muito além da convivência e da relação afetiva entre o casal que decidiu dividir o mesmo teto.
Da convivência com intenção de formar família (ainda que sem filhos), portanto, quer haja casamento, quer haja união estável, advêm relações patrimoniais.
Naturalmente que os desdobramentos dessas relações patrimoniais geram efeitos tanto no caso de separação do casal, como também se houver o falecimento de um dos conviventes.
No entanto, os efeitos patrimoniais decorrentes da vida a dois podem também ser verificados em diversas outras hipóteses, como por exemplo, se um dos membros do casal tiver uma dívida. Seja a dívida anterior ao relacionamento, ou contraída na vigência da união entre as partes.
Já abordamos o assunto sob diversos prismas, valendo indicar alguns artigos para quem tiver interesse:
Pois bem, partindo da ideia de que nosso leitor já conhece os principais regimes de bens, que são (i) comunhão universal de bens, (ii) comunhão parcial de bens e (iii) separação total de bens, cujas características fogem à proposta desse artigo, nessa oportunidade vamos explicar o que se entende pelo regime de bens híbrido, misto ou combinado.
Híbrido, misto ou combinado é o regime de bens adotado pelo casal, sendo por ele constituído mediante a escolha de regras que pertencem a dois ou mais regimes de bens previstos em lei.
Trata-se, portanto, de uma “construção de regras” daqueles que irão se casar ou viver em união estável, contemplando a vontade de ambos, que a partir de um documento chamado pacto antenupcial escolhem as regras que serão aplicáveis para a regulação dos interesses econômicos e financeiros da vida do casal.
A previsão legal para que os interessados venham a eleger regras de dois ou mais regimes de bens previstos em lei, “compondo” o seu próprio regime está no artigo 1.639 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1o O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.
§ 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
Dessa forma, é permitido ao casal que tenha seu próprio ‘regime de bens customizado’ de acordo com o que lhe parecer justo e coerente.
Nada melhor do que exemplos para permitir um bom entendimento sobre o assunto, assim sendo, exemplificativamente,mediante o regime misto podem os interessados decidir que:
– determinado bem adquirido por uma das partes – antes ou na vigência do relacionamento do casal – não se comunicará para o patrimônio comum, portanto, pertencerá de forma exclusiva somente a uma das partes;
– determinado bem adquirido por ambas as partes – antes ou na vigência do relacionamento do casal – seja tido como bem particular, portanto, pertencerá exclusivamente a uma das partes;
– determinada despesa mensal do casal (pagamento do financiamento de imóvel, por exemplo), caberá exclusivamente a uma das partes, a despeito de que a propriedade do bem financiado será de ambos, quando liquidado o financiamento;
– determinado bem que provavelmente será herdado por uma das partes se comunicará ao patrimônio comum do casal;
– determinado bem que uma das partes já tinha antes do relacionamento se comunicará ao patrimônio de ambos, a partir de que a união entre as partes eventualmente venha a completar 10 anos;
– no caso de separação ou divórcio, caberá à parte que tem melhores condições financeiras o pagamento integral das despesas correlatas à educação dos filhos pelo prazo de XX anos, permitindo a reinserção ou o crescimento da outra parte no mercado de trabalho, sendo certo que passado o período previsto pelo casal, as despesas em questão passarão a ser divididas igualmente.
Necessário repisar que as hipóteses acima elencadas são meros exemplos, de modo que cabe às partes elaborar regras e condições conforme lhes parecer interessantes e adequadas à realidade do casal.
A propósito, é possível que o casal estipule até mesmo a aplicação de multa no referido pacto, pelo que é lícito às partes estabelecer, por exemplo, o pagamento de determinada quantia a título de penalidade mediante a comprovação inequívoca da infração a um dos deveres conjugais previstos no artigo 1.566 do Código Civil, como a obrigação de fidelidade.
Finalizamos esse artigo, nessa semana em que importante decisão do STJ Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto vem sendo bastante comentada, em razão da sua publicação em portal jurídico de grande renome[1], refletindo que no caso desse julgamento em questão, como também, na situação que deu margem ao litígio envolvendo os bens do apresentador Gugu Liberato, cujo testamento foi validado por recente decisão pelo mesmo STJ [2] os conflitos poderiam ter sido evitados, acaso as partes tivessem se valido do regime híbrido, misto ou combinado.
Esperamos que com diálogo, empatia, bom senso e a assessoria de um advogado especializado na matéria as dicas ora compartilhadas possam ser aplicadas, evitando dissabores e litígios.
Afinal, tal como não há intenção de fazer uso de um seguro ao adquirirmos um veículo, ninguém opta pela vida a dois pretendendo se divorciar ou imaginando como será a partilha dos seus bens quando da sua sucessão, no entanto, nem tudo transcorre de acordo com os nossos planos, não é mesmo?
[1] https://www.migalhas.com.br/quentes/388549/stj-mantem-penhora-em-contas-de-esposa-casada-em-regime-universal
[2] https://www.migalhas.com.br/quentes/388546/stj-valida-testamento-de-gugu-liberato-deixando-75-aos-filhos
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