Já publicamos aqui no blog artigo a respeito de roubos ou furtos ocorridos dentro de estacionamentos, pelo qual orientamos (potenciais) vítimas sobre as providências a serem tomadas de imediato para defender seus direitos. Para saber mais leia aqui.
Agora levantamos uma nova questão! E se o evento acontecer quando o consumidor estava prestes a entrar no estacionamento de um shopping?
É a “quase” entrada no estabelecimento comercial. Podemos pensar em uma situação em que o crime ocorre na fila para entrar no estacionamento, por exemplo.
Uma ação judicial envolvendo esse cenário gerou discussão e emplacou recursos até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) desse a palavra final.
No caso em questão, enquanto o motorista aguardava para cruzar a cancela do estacionamento do shopping, acabou sendo abordado por um meliante que roubou seu relógio.
Diante da negativa de ressarcimento por parte do shopping, a vítima ajuizou ação indenizatória em face do shopping e da administradora do estacionamento.[1]
As empresas sustentaram que houve caso fortuito ou culpa exclusiva de terceiro, haja vista que o roubo à mão armada ocorreu fora das suas dependências, algo que não era possível evitar ou impedir. Alegaram, ainda, tratar-se de questão de segurança pública, sendo responsabilidade do Estado, pois o veículo ainda se encontrava na via pública.
Entretanto, o STJ entendeu que o consumidor estava vulnerável ao ingressar no shopping (fornecedor), sendo necessário que naquele intervalo permanecesse, ainda que por pouco tempo, desprotegido ao esperar a emissão do ticket e o levantamento da cancela.
Evento fortuito externo ou interno?
O STJ fundamentou que o caso prático não se trata de evento fortuito externo à atividade empresarial desempenhada, ou seja, fato imprevisível e totalmente alheio aos deveres anexos dos fornecedores e aos riscos por estes assumidos.
O julgado exemplificou o que se trata caso fortuito externo, citando decisões anteriores:
“(…) o roubo à mão armada caracterizará fortuito externo quando o estacionamento “representa mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos” (EREsp 1.431.606/SP, 2ª Seção, DJe 2/5/2019). Da mesma maneira, será afastada a responsabilidade quando, existindo contrato de garagem, o consumidor for “vítima de assalto na área de estacionamento, desprovido de controle de acesso, cercas ou de qualquer aparato que o valha, circunstâncias que evidenciam que nem sequer se poderia afirmar ser o estabelecimento recorrido responsável por eventual expectativa de segurança” (Resp 1.861.013/SP, 3ª Turma, Dje 9/8/2021).”
Diversamente, na situação em tela, o julgado esclareceu que houve fortuito interno, no qual, embora tenha ocorrido circunstância alheia ao comportamento do fornecedor, houve conexão entre o dano e o risco inerente à atividade do fornecedor, logo, não sendo possível afastar o dever do titular da atividade de risco de indenizar a vítima do evento lesivo.
Em simples palavras, significa dizer que há uma expectativa de segurança e comodidade do consumidor ao ingressar no estacionamento privativo de um shopping, o qual oferece estacionamento como forma de atrair clientes e se beneficiar financeiramente, tendo ocorrido o evento na cancela para o ingresso do veículo no estabelecimento comercial. Consequentemente, a ele incumbe o dever de proteger, considerando-se a boa-fé objetiva.
Decisão final
Por tais razões, o STJ entendeu que o shopping e a administradora do estacionamento vinculado são sim responsáveis por defeitos na prestação do serviço não só quando o consumidor se encontra efetivamente dentro da área assegurada, mas também quando se submete à cancela para ingressar no estabelecimento comercial.
Em suma, a proteção do Código de Defesa do Consumidor incide não somente durante a prestação do serviço em si, mas também nos momentos que o antecedem e o sucedem, desde que estejam vinculados à sua execução.
As empresas foram condenadas ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais sofridos pelo consumidor.
Esperamos ter aclarado as diferentes hipóteses de responsabilidade do fornecedor em casos de roubo ou furto em estacionamentos, sobretudo quando há obstáculo para o ingresso no estabelecimento que controla a entrada de terceiros e gera a sensação de segurança ao consumidor que confia no local escolhido para fazer compras, em razão da facilidade para estacionar, o que lhe é oferecido com o objetivo de conquistar clientes e auferir lucro.
[1] RECURSO ESPECIAL Nº 2.031.816 – RJ (2021/0359082-6), Data do Julgamento: 14 de março de 2023.
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