Em 2019 publicamos um artigo informando aos nossos leitores que a regra da impenhorabilidade salarial havia sido flexibilizada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Naquele caso julgado pelo STJ, o argumento utilizado foi de que o credor dependia da renda proveniente dos aluguéis para a subsistência da sua própria família, o que determinou a penhorabilidade do salário.
O artigo está disponível nesse link.
Em 2020, o assunto voltou à tona em novo julgado do STJ e o abordamos novamente em razão das suas particularidades.
À época trouxemos considerações a respeito da impenhorabilidade salarial prevista na lei e por qual motivo o STJ passou a flexibilizar tal regra, inclusive, exemplificamos com vários casos reais. Naquele artigo ponderamos que a impenhorabilidade só tem sido adotada em casos excepcionais, quando o Judiciário e o credor esgotaram todas as vias para a obtenção do crédito, tais como dinheiro, imóveis, móveis e automóveis (art. 835, do Código de Processo Civil) e desde que a penhora não viole a dignidade da pessoa humana, impossibilitando o seu sustento e da sua família.
Este outro artigo está disponível nesse link.
Pois bem, uma vez mais o assunto voltou ao STJ[1] e a Corte Especial resolveu se posicionar na mesma linha, demonstrando que o caminho da flexibilidade é uma via sem volta e, de fato, parece ser a mais justa solução.
Para que se possa compreender a complexidade do tema, sequer o próprio STJ tem posicionamento unânime. No recente julgado, a decisão pela ampliação das hipóteses de penhorabilidade do salário para pagamento de dívida bancária se deu por maioria, isto é, parte dos ministros foram contrários a esse entendimento, o que demonstra que a questão certamente será rediscutida em casos futuros.
Neste processo, a Corte Especial entendeu pela possibilidade da relativização da impenhorabilidade das verbas sobre rendimentos para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado o mínimo que assegure sua subsistência digna e de sua família.
Os ministros que decidiram pela penhorabilidade do salário para pagamento de dívida não alimentar justificaram esta decisão como excepcional, isto é, analisando o caso concreto em si, onde o credor tentou todas as medidas possíveis para receber o que lhe é devido e não teve êxito, como última consequência e sem que afetasse sobremaneira o devedor, entenderam pela penhorabilidade, independentemente do montante recebido pelo devedor.
O grande problema desse tipo de decisão pode ser a caracterização da contrariedade à lei, tendo sido um avanço significativo ao que determina o nosso Código de Processo Civil[2].
Há quem entenda que o Judiciário estaria legislando e não seguindo o que está determinado na lei. Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, cujo voto prevaleceu, a norma prestigia apenas o direito fundamental do devedor, desprestigiando o do credor.
De um lado, o significado de Justiça está sendo atendido para a sociedade e para o credor que quer receber o que não lhe foi pago, sem afetar profundamente o rendimento do devedor, dado esse que, a propósito, é por demais subjetivo. Neste caso em específico, foi autorizada a penhora de 30% do salário do devedor, que é em torno de R$ 8.500.
De outra banda, essa flexibilização causa terrível insegurança jurídica, uma vez que, se a lei diz que o salário é impenhorável, guardadas as exceções expressas e o Judiciário decide em sentido contrário, é como se a lei não tivesse validade alguma, fosse verdadeira letra morta. Se uma das funções do Judiciário é fazer cumprir a lei, será que esse papel está sendo desempenhado adequadamente?
O que você achou desse tipo de decisão? Concorda com ela?
[1] EREsp 1.874.222/DF
[2] Art. 833. São impenhoráveis:
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .
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