Hoje fazemos algumas considerações em razão de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] sobre a definição da propriedade dos imóveis após a separação de casal que não realizou a partilha dos bens.
Não é incomum a separação de casais sem que ocorram as providências quanto à formalização do término da união, como por exemplo, alterando-se o estado civil e a divisão dos bens. O tempo vai passando e o silêncio toma conta das relações que se seguem após o rompimento.
Com o silêncio o Direito traz a necessidade de definição dos direitos e deveres decorrentes do fim do relacionamento, principalmente quando se trata da propriedade dos bens imóveis não partilhados.
Logo, a indefinição acaba gerando problemas e a necessidade do exame dos fatos pelo Judiciário. Com isso, o que não restou decidido pelas partes interessadas acaba ficando a cargo dos juízes que têm pela frente a missão de dar à situação encaminhamento de acordo com a lei.
Silêncio sepulcral
Vamos imaginar que um casal se separou, não fez a divisão dos bens e apenas um deles permaneceu no imóvel por anos a fio, sem que qualquer combinado tenha sido feito, sem que o ex-cônjuge não residente no imóvel tomasse qualquer iniciativa que denotasse interesse pelo bem e pelos custos a ele inerentes. Por outro lado, aquele que permaneceu no imóvel, adotou a postura de único dono, responsabilizando-se, inclusive, pelo ônus de arcar com as despesas.
No caso, o transcurso do tempo foi capaz de sedimentar relações e trazer à tona o que ficou omisso: aquele que permaneceu adquiriu a propriedade do imóvel por usucapião.
Usucapião é um dos modos de aquisição da propriedade das coisas, com a finalidade de pacificar as relações sociais, afastando a indefinição que certas situações trazem.
Quando se fala em usucapião, vem à mente a passividade e o desinteresse dos terceiros pelo bem móvel ou imóvel.
No caso que chegou ao STJ e teve sentença e acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) inteiramente confirmados, o Ministro Marco Aurélio Bellizze logo destacou que a jurisprudência da corte superior considera que, terminada a sociedade conjugal, o imóvel comum do casal passa a ser regido pelas regras do condomínio – ainda que não realizada a partilha de bens –, não mais se aplicando as regras do estado de mancomunhão (situação da propriedade dos bens de um casal onde os bens em comum pertencem de forma igual, sem qualquer divisão, aos cônjuges).
Inclusive foi destacado o posicionamento do juiz que proferiu a sentença, dando conta da omissão do ex-marido no tocante à regularização da situação, ao interesse pela manutenção do imóvel, não tendo sido tomada qualquer atitude de formalização da ocupação:
Na verdade, percebe-se que, findo o matrimônio entre a autora e o contestante, ainda no longíquo ano de 1983, o contestante deixou os imóveis nas mãos da ex-esposa, nunca tendo se preocupado com a regularização da situação, com partilha do bem. É perfeitamente possível a usucapião de condômino contra o outro coproprietário, sem dúvida, desde que haja a transmudação da posse, com quebra de todo o vínculo obrigacional anterior com o outro titular de fração ideal, por prazo duradouro e com ciência inequívoca de terceiros, o que, definitivamente, foi o caso. A preocupação do contestante somente veio à tona após a propositura da ação de usucapião, com a apresentação de contestação, mais de 20 anos após o fim do matrimônio. Ademais, a “mera liberalidade” (fl. 1408/1409) do co-titular do domínio deveria ser pautada pela presença constante (ainda que não permanente) do contestante e pela periódica comunicação entre eles. Ora, o contestante qualifica a autora como se fosse litigante de má-fé, mas, ao mesmo tempo, percebe-se a ocupação duradoura, sem que, em todo esse período, fosse tomada qualquer atitude de formalização dessa ocupação, ou ação de partilha de bens.
O recado foi dado: não tendo sido feito o esperado pela lei, ou seja, a regular partilha dos bens, que tivessem as partes firmado um documento particular estipulando as responsabilidades e entendimentos a respeito da propriedade do imóvel e desdobramentos aplicáveis!
Nada sendo providenciado nesse sentido, a situação foi submetida por inteiro ao Judiciário que se debruçou sobre as provas juntadas pela ex-esposa, sobretudo testemunhas por ela arroladas e, diante da ausência do mínimo interesse e proatividade do ex-marido, definiu sobre a titularidade dos imóveis.
O entendimento se aplica para os bens em geral! Portanto, para os móveis e objetos de tecnologia também!
[1] REsp 1.840.561-SP (2019/0290600-5) – julgado em 03/05/2022