Hoje abordaremos novamente o assunto ‘condomínio’, eis que muitas são as questões que podem surgir onde existem diversas pessoas dividindo o mesmo espaço. A ideia é demonstrar, através de dois casos, um dos pilares sobre o qual se assenta esse universo.
Com isso, poderemos ajudar os nossos leitores a compreender melhor a vida em condomínio e oferecer elementos para a solução de conflitos, afinal o notável Caio Mário da Silva Pereira[1], especialista no assunto, já dizia que:
“Apesar de bastante difundida e praticada, a propriedade horizontal[2] não chegou, ainda, a um grau de maturidade exemplar. Os condôminos de edifício muito frequentemente enxergam no apartamento uma unidade autônoma, como se a mesma estivesse totalmente desvinculada do conjunto orgânico a que pertence. Vêem, muitas vezes, a parede divisória do apartamento vizinho, como se ela não fosse comum a ambos. Não atenta em que o chão, que pisa, é o teto da unidade inferiormente colocada, ou vice-versa.” (Grifos nossos)
Em certas questões cotidianas pode existir alguma confusão sobre o limite do direito individual dentro do universo coletivo do condomínio.
O pilar ao qual nos referimos no início é o princípio social da convivência. Dele extraímos que podem e devem existir limitações à liberdade de cada um em proveito da melhor harmonia do todo, assim como é a nossa vida em sociedade e são as nossas relações com o Estado e com as outras pessoas.
O condomínio equivale a uma comunidade especial onde podem surgir problemas envolvendo o direito de um dono, chamado condômino e a conveniência da coletividade. É importante ficar atento a isso e se pautar sempre pelo bom-senso e bom uso dos recursos e espaços coletivos.
Ambos os casos que vamos trazer, apesar de conterem elementos religiosos no contexto, foram solucionados pela aplicação do princípio da convivência.
1ª situação: Os incomodados que se retirem
CONDOMÍNIO x LIBERDADE RELIGIOSA – Condômino que questiona a instalação de interruptores de funcionamento automático em áreas comuns do condomínio, após decisão assemblear, sob a alegação de que, por ser judeu ortodoxo, não pode acender luzes entre a sexta-feira e o sábado – Solução de conflito de interesses protegidos por princípios constitucionais mediante a técnica da ponderação – Condomínio que traz alegações sobre os benefícios trazidos a todos, especialmente no aspecto econômico – Consideração sobre aspectos de segurança, ainda, em local destinado à circulação de todos – Prevalência dos interesses coletivos, representados pela maioria dos condôminos – Impossibilidade de sobrepor o direito individual sobre os da coletividade – Sentença mantida – Recurso não provido. (TJSP; Recurso Inominado Cível 0012610-30.2015.8.26.0016; Relator (a): Luís Eduardo Scarabelli; Órgão Julgador: Segunda Turma Cível; Foro Central Juizados Especiais Cíveis – Juizado Especial Cível Anexo FAAP; Data do Julgamento: 23/08/2016; Data de Registro: 23/08/2016)
Conforme se vê, em 2016, o atrito teve solução pelo Judiciário Paulista que, através da sentença confirmada pela instância superior, bem ponderou os direitos das partes envolvidas (condomínio x morador) e deu peso maior aos interesses da coletividade.
De um lado, o morador, judeu ortodoxo, procurava afastar decisão em assembleia autorizando a instalação de interruptores com acendimento automáticos nos halls de entrada das unidades.
De outro lado, o condomínio objetivava aplicar a decisão da assembleia e instalar os interruptores em todos os halls indistintamente, eis que diziam respeito à área comum do condomínio.
Pontos fortes do julgado: “Parece ser necessário reforçar que a vida em condomínio impõe alguns sacrifícios, de modo que a instalação de interruptores que geram maior economia e maior segurança a todos não pode ser tida como violador de direitos individuais.
E se, ainda assim, a vivência no local se tornar insuportável ao morador, caberá a ele buscar outro local que melhor se adeque às suas necessidades, e não impor à maioria dos condôminos o seu desejo pessoa, sendo este o sentido da vida em condomínio”.
Solução: Os julgadores entenderam que a decisão do condomínio foi capaz de trazer economia aos moradores e aumentar a segurança do edifício, ao passo que a liberdade individual do morador, sobretudo a religiosa, foi respeitada na medida em que nenhuma ação avançou para dentro de sua unidade, isso sim proibido.
2ª situação: Não tratar a coisa comum como se fosse particular
No Judiciário Pernambucano, no mês passado, desentendimento entre uma moradora que ornamentou a área comum com imagem de santa e bíblia e outro morador que não aceitou a permanência dos objetos chegou ao julgamento[3] que, assim como no primeiro exemplo, fez valer a vontade coletiva, exteriorizada em regulamento interno.
Nesse caso, havia previsão expressa no regimento interno proibindo que os condôminos instalassem objetos pessoais nas áreas comuns, quaisquer que fossem eles.
De todo modo, é importante deixar claro que, mesmo que não existisse tal previsão no regimento interno, conforme o princípio da convivência e a regra básica de não tomar a área comum como se fosse uma unidade autônoma e exclusiva, a permanência dos objetos não seria permitida.
Os moradores devem ter em mente que podem ter a sua liberdade garantida da porta para dentro da sua unidade, fazendo as escolhas e ornamentações que bem entenderem, desde que, evidentemente, não atinjam os direitos coletivos e mantenham a harmonia arquitetônica e decorativa da área comum.
Ao contrário do que alegou a moradora, o pedido de retirada dos objetos religiosos não constituiu ato atentatório à sua liberdade religiosa.
Mensagem final
Verificou-se que ambos os casos foram solucionados consagrando-se o interesse da coletividade e o respeito às regras do regulamento interno do condomínio, não tendo sido acolhidos, nas duas situações, argumentos que pudessem denotar algum desrespeito à prática e à liberdade religiosa.
Na segunda situação, conforme pudemos ver, houve interposição de recurso possivelmente para alterar o ponto relativo à condenação por danos morais em favor da moradora que solicitou a retirada dos objetos e sofreu afrontas e perseguição. A nosso ver, o aspecto relativo ao dever de retirar os objetos muito dificilmente será objeto de alteração.
Com isso, quando se fala de problemas em condomínio é altamente recomendado que as partes avaliem bem sob o ponto de vista coletivo, verifiquem a convenção e o regulamento interno e, claro, consultem o advogado de confiança que poderá trazer um posicionamento técnico e alinhado aos entendimentos judiciais.
[1] Condomínio e Incorporações – 10ª edição – Editora Forense – 2001
[2] A expressão usada mais nos tempos antigos e surgiu da ideia de visualização do condomínio em planos horizontais. O significado de propriedade horizontal é o de condomínio de edifícios com apartamentos autônomos.
[3] Processo nº 0029540-22.2019.8.17.8201 – 2º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo da Capital – TJ/PE