Quando o assunto é crédito bancário, existem diversos tipos, como empréstimos pessoais, crédito em conta corrente, financiamentos, cartões de crédito, entre outros, um dos pontos mais sensíveis nesses contratos e que influencia bastante na decisão do consumidor no momento da contratação é a taxa de juros aplicada pelas instituições financeiras.
Surgem então as dúvidas: o consumidor é obrigado a aceitar as taxas impostas pelo banco?
Depois da assinatura do contrato ainda é possível pedir a revisão dos juros, especialmente se forem abusivos?
Responderemos a essas e a outras questões ao longo deste artigo.
A legalidade das taxas de juros bancárias
Muitos casos foram levados ao Judiciário, sendo certo que os consumidores buscavam a declaração da abusividade dos juros sob o fundamento de que as instituições financeiras estariam sujeitas à Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33) e, portanto, limitadas ao percentual de 12%. Os bancos, por sua vez, rebatiam e alegavam a livre pactuação do contrato e que não se sujeitavam à referida lei. A discussão chegou aos órgãos máximos do Poder Judiciário, STJ e STF , que pacificaram o assunto como demonstraremos adiante.
A cobrança dos juros remuneratórios, em si, não é ilegal e, em regra, o Judiciário tem entendido que mesmo acima de 12% ao ano não há excesso.
Todavia, considera-se desarrazoada a taxa de juros sempre que ela estiver muito acima da média praticada no mercado para a mesma espécie de contrato. As instituições financeiras são regidas pela Lei 4.595/64, não lhes sendo aplicável, portanto, a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei da Usura, conforme as súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, abaixo:
Súmula 596 do STF: “As disposições do Decreto 22.626/1933 (Lei da Usura) não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional,” vez que as instituições financeiras são regidas pela Lei 4.595
Súmula 382 do STJ: “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.”
O Código de Defesa do Consumidor (CDC)
O inciso V do artigo 6º prevê os direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor reconhece que o contrato pode conter cláusulas nulas de pleno direito, mesmo se previamente aceitas (art. 51, IV, do CDC).
Portanto, mesmo após a assinatura do contrato, constatada a onerosidade ou abusividade do contrato, é possível pleitear a revisão judicial dos juros
E o que caracterizaria a abusividade dos juros?
Não há um percentual fixo para caracterizar juros como sendo abusivos, mas o Judiciário tem se posicionado no sentido de que taxas muito acima da média de mercado podem ser excepcionalmente revistas.
A jurisprudência do STJ é firme nesse sentido:
“É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (REsp 1.061.530/RS, STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado sob o rito dos recursos repetitivos)”
E os Tribunais de Justiça acompanham o entendimento do STF, tal como no recente caso julgado pela Corte Paulista, abaixo reproduzido:
APELAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO. REVISIONAL. EMPRÉSTIMO PESSOAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DANO MORAL. 1. OBJETO RECURSAL. (…) ABUSIVIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. Configurada. Instituições financeiras não estão sujeitas à limitação de juros remuneratórios (STJ, Tema repetitivo 24; STF, Súmula 596), sendo excepcional o reconhecimento da abusividade, como assentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (STJ, Tema repetitivo 27). No caso concreto, ficou demonstrada a abusividade dos juros remuneratórios, pois: a) as taxas de juros contratadas são superiores ao dobro das taxas médias mensais estabelecidas pelo Banco Central; b) há elevada discrepância entre o custo de captação do recurso e os juros cobrados; c) o risco não pode ser considerado muito elevado, inclusive, porque se trata de débito em conta; d) a ré não demonstrou ter prestado informações básicas, como outros produtos com maior garantia e menor taxa de juros (CDC, art. 6º, III; art. 51, IV). A abusividade e consequente nulidade implicam a adequação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado, divulgada pelo BACEN para o tipo de operação questionada (contrato de empréstimo pessoal não consignado para pessoa física). 3. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Mantida. Em razão da abusividade das taxas de juros impostas nos contratos celebrados entre as partes, é devida a restituição do valor pago a maior. Embora o C. STJ tenha determinado a desnecessidade de demonstração de dolo ou má-fé, para a incidência da dobra prevista no par. ún, do art. 42, do CDC, o referido pronunciamento foi modulado, passando a produzir efeitos apenas a partir de 31/03/2021 (STJ, EAREsp 676.608). Contratação efetivada em março de 2018, portanto, adequada a ordem de restituição do valor na forma simples. 4. DANO MORAL. Afastado. (…)
(TJSP; Apelação Cível 1008044-07.2022.8.26.0297; Relator (a): Luís H. B. Franzé; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jales – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2025; Data de Registro: 30/04/2025)
Comparação com a Taxa Média do Banco Central
Ainda, para saber se os juros contratados são abusivos, o consumidor pode consultar a taxa média de mercado publicada pelo Banco Central do Brasil, disponível no site oficial do BACEN.
Se a taxa contratada estiver significativamente acima da média (sem justificativa razoável), é possível questionar judicialmente a cláusula.
O que o consumidor pode fazer?
Pesquisar a taxa média de mercado no site do Banco Central;
Negociar com diferentes instituições financeiras;
Exigir o Custo Efetivo Total (CET) do empréstimo, que inclui todos os encargos, conforme exigido pela Resolução 3.517/2007 do Banco Central.
Solicitar cópia do contrato e planilha de evolução da dívida;
Procurar um órgão de defesa do consumidor (Procon) ou um advogado especializado;
Ingressar com ação revisional, pedindo a redução dos juros, a restituição dos valores pagos indevidamente e até a suspensão de cobranças abusivas.
Conclusão
Embora o sistema jurídico permita certa liberdade para os bancos fixarem as taxas de juros, tal liberdade não é absoluta e o consumidor não está desamparado. É plenamente possível revisar judicialmente contratos com cláusulas abusivas, mesmo que já estejam em vigor.
A orientação jurídica adequada e o conhecimento das taxas médias de mercado são essenciais para garantir que os direitos do consumidor sejam respeitados e que não haja enriquecimento ilícito por parte das instituições financeiras.
Se você possui ou conhece alguém que contratou crédito bancário e ainda têm dúvidas sobre o tema ou gostaria de avaliar se as taxas médias de mercado são inferiores ao que consta no seu contrato, procure um advogado de sua confiança especializado no tema.