Já publicamos aqui no blog artigo explicando que o testamento é uma ferramenta básica e acessível que pode ser adotada para fins de planejamento sucessório. Acaso queira ler o artigo, basta clicar aqui.
Desde que bem elaborado, trata-se de opção simples e eficaz para a gestão de atos de última vontade, com vistas a direcionar parte ou totalidade dos bens de quem se dispõe a testar.
No entanto, diversas intercorrências podem ocorrer após a lavratura de um testamento. Vamos nos valer de um exemplo baseado em caso concreto[1] para bem explicar a necessidade de que se dispense constante atenção ao assunto.
Por hipótese, João e Maria, ambos com 30 anos de idade se casaram no ano 2000. O regime escolhido foi o da comunhão parcial de bens. Em 2010 João fez testamento em favor de Maria, deixando para ela a totalidade da parte disponível dos bens dele.
Em 2020 a relação do casal chegou ao fim, tendo havido divórcio amigável.
Passado um ano, João veio a falecer.
O testamento restou inalterado, de modo que, Maria entende ser direito dela receber a totalidade da parte disponível dos bens de João, seu ex-marido. Argumenta Maria que se João não quisesse que ela viesse a ser beneficiada pelo testamento, teria ele, João, alterado o testamento após o término da relação do casal.
Entretanto, a mãe de João discorda da posição de Maria e levou o caso para a Justiça, afirmando que tendo em vista o término do casamento, houve o fim da relação afetiva entre o testador e a favorecida pelo testamento, de modo que a disposição contida no documento havia se tornado ineficaz.
Muito embora essa posição não conte com a nossa concordância, fato é que houve decisão judicial acolhendo tal pedido, isto é, reconhecendo que o testamento foi lavrado na vigência do casamento, porém, considerando que a beneficiária não mais era casada com o testador ao tempo da morte dele, entendeu a Justiça que houve “alteração substancial das circunstâncias” que motivaram a disposição testamentária, autorizando declarar a perda da sua eficácia.
A nosso ver, a decisão não poderia declarar a ineficácia de testamento presumindo que com o divórcio, não mais desejava o testador beneficiar sua ex-esposa!
Entendemos que se fosse vontade do testador alterar seu testamento, deveria ter ele sido diligente o bastante para fazê-lo.
Quem garante que mesmo após o fim da relação, não nutria ele amor e gratidão pela ex-esposa, entendendo que ela continuava merecendo ser beneficiada???
Ora, teve João tempo para alterar o testamento! Se não o fez, merece ser respeitado o documento por ele providenciado.
Por certo que Maria poderá recorrer da decisão que lhe foi desfavorável, rediscutindo o caso perante o Tribunal de Justiça do estado em que foi proferida a decisão.
Porém, o ocorrido evidencia a importância de que, para evitar questionamentos, a depender das circunstâncias (separações, divórcios, novos relacionamentos, nascimento ou adoção de filhos), os testamentos sejam sempre revisitados, afinal, a exemplo das nossas vidas, o testamento não é um documento estático. Cabendo aos testadores ratificar suas declarações de última vontade. Ou alterá-las.
Dependendo das surpresas que a vida nos reserva, a inércia do testador pode ser determinante para aquilo que outrora fora por ele planejado não seja mantido diante de eventual discussão em juízo.
Prudente que todos que fizeram testamento avaliem se houve mudanças que demandam a retificação ou a ratificação das suas declarações de última vontade, minimizando a possibilidade de que alguém se insurja contra sua disposição testamentária.
[1] https://ibdfam.org.br/noticias/12920/Justi%C3%A7a+do+Rio+Grande+do+Sul+declara+inefic%C3%A1cia+de+testamento+feito+antes+da+separa%C3%A7%C3%A3o+de+casal