Em 18/09/2020 entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Em 29/09/2020 houve a primeira sentença com base nessa lei, condenando a construtora Cyrela a pagar indenização por danos morais ao consumidor, vítima de alegado tratamento indevido de dados pessoais.
O caso[1] viralizou ! Logo ganhou os noticiários jurídicos com discussões e alertas: de um lado empresas preocupadas com o precedente trazido pela recente decisão; de outro, consumidores confiantes nas consequências benéficas e educativas da mão que pesou sobre a construtora.
Enquanto o embate continua, pendente o recurso da construtora perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, é inegável que o processo em que se discute o vazamento de dados caminha em novo universo. Conta com o reforço da vigência da LGPD, em que pese o fato ter ocorrido em momento anterior à lei. Inclusive, essa é uma das linhas de defesa da construtora para tentar reverter a condenação.
5 pontos cruciais do caso prático que merecem atenção de todos nessa nova realidade fortalecida pela entrada em vigor da LGPD:
1. A juíza reconheceu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da LGPD no caso concreto, como forma de instrumentos trazidos pelos ideais da Constituição Federal.
A responsabilidade objetiva (aquela que independe de culpa) foi consequência natural da aplicação desses dispositivos legais. A construtora ficou com o ônus de descaracterizá-la nos termos da lei. Para a julgadora, a Cyrela não conseguiu desvencilhar sua responsabilidade diante da comprovação de que diversas empresas entraram em contato com o autor da ação oferecendo os produtos e serviços.
2. O contrato de compra e venda de imóvel firmado entre as partes (autor da ação e construtora) trouxe apenas uma possibilidade de compartilhamento de dados para fins de inserção em bancos de dados. Logo, qualquer outro uso que não tenha relação com o contrato firmado seria visto como ilegal.
O tratamento estranho dos dados foi penalizado, já que a LGPD consagra a transparência e a proteção como pilares de sua estrutura.
3. Reconhecimento de que os corretores de imóveis que atuam na cadeia da compra e venda respondem solidariamente pelos prejuízos do vazamento dos dados ou compartilhamento ilícito.
A juíza reconheceu a existência de cadeia de empresas na venda do imóvel, assim, a solidariedade se viu presente e o autor da ação poderia movê-la contra uma, algumas ou todas as empresas participantes da venda do imóvel.
4. Diante da prova produzida pelo consumidor – trocas de e-mails e mensagens de WhatsApp – que mostraram o assédio comercial das empresas para vender os seus serviços e produtos, a juíza entendeu irrelevante saber se a construtora tem mecanismos eficazes para a proteção dos dados. A seu ver, o uso inadequado foi caracterizado e isso foi o bastante para autorizar a condenação.
5. A construtora foi condenada sob duas vertentes: proibição de repassar ou conceder a terceiros, a título gratuito ou oneroso, os dados pessoais do consumidor sem seu prévio consentimento e obrigação de ressarci-lo pelos prejuízos morais dos dados já repassados.
Sinal de alerta
Após pontuar essas informações sobre o conhecido primeiro caso sentenciado com base na LGPD e verificando-se a preocupação em concreto da construtora que amargou essa história, é indiscutível o impacto que ela sofreu em suas relações cotidianas, junto aos clientes, fornecedores, parceiros comerciais e sócios.
O sinal de alerta acendeu para todos, já que as relações comerciais estão cada vez mais complexas e entrelaçadas, reforçando a importância da adequada implementação dos conceitos da LGPD nas atividades desenvolvidas, principalmente na definição das incumbências e responsabilidades de cada parte atuante no serviço a ser prestado.
Dados. A nova moeda que merece proteção
Finalizamos com uma recomendação: se na sua atividade profissional você lida com dados de clientes, é importante se preparar para atender às exigências da LGPD enquanto as pesadas punições administrativas trazidas por essa nova lei ainda não podem ser aplicadas até agosto de 2021. Entretanto, as condenações por tratamento inadequado de dados via Judiciário já estão valendo.
Procure assessoria especializada de sua confiança e se prepare adequadamente, ficando em consonância com a legislação e respeitando o bem extremamente valioso da sua clientela: seus dados!
[1] Processo nº 1080233-94.2019.8.26.0100