Não é novidade que o comércio eletrônico já faz parte do dia a dia, mas ainda há muita discussão judicial sobre requisitos legais para que as assinaturas e contratos tenham validade jurídica nas relações comerciais.
A respeito das assinaturas eletrônicas e assinaturas digitais, no final do ano passado já discorremos sobre suas diferenças legais e controvérsias judiciais. Se quiser saber mais, leia aqui.
Há uma exigência dos juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo a respeito da necessidade da assinatura em documentos digitais ser proveniente de um certificado digital credenciado ao ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras). Exigência essa que atualmente vem perdendo força nas decisões, diante de uma corrente de julgados dos colegiados, em Segunda Instância, que tem revertido as decisões desses juízes, defendendo que, na hipótese de um documento assinado eletronicamente, ainda que não credenciado ao ICP-BR, caberá à parte contrária comprovar a falsidade do documento.
Vejamos três recentes decisões do TJSP com situações diferentes onde os documentos assinados eletronicamente tiveram sua validade reconhecida.
1º caso:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de execução de título extrajudicial. Determinação do juízo de origem deque o credor apresente título executivo devidamente assinado pela parte executada e, no caso de assinatura eletrônica, ser esta oriunda de certificadora credenciada na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Insurgência. Decisão que comporta reforma. Assinaturas digitais realizadas por intermédio da “docusign”, através de links encaminhados aos signatários. Possibilidade de aceitação de documentos assinados digitalmente, ainda que certificado por empresa não constante do rol do ICP-Brasil. Inteligência do art. 10, § 2º, da MP 2200-2/2001. Eventual arguição de falsidade poderá ser deduzida pela parte contrária, inexistindo, por ora, elementos que coloquem em dúvida a autenticidade do documento. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO.[1]
Já o Art. 10, § 2º, da Medida Provisória 2.200-2, de24/08/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, estabeleceu que “não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP- Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”
Nesse caso, foi declarada a efetiva existência do título executivo extrajudicial, assinada eletronicamente por intermédio da empresa “Docusign”, até prova em contrário.
2º caso:
“Execução Cédula de crédito bancário – Decisão que determinou a emenda da exordial, para que o banco agravante apresente o título devidamente assinado, visto que a empresa “DocuSign” não se encontra credenciada perante a ICP-Brasil Banco agravante que acostou aos autos a cédula de crédito juntamente com o verificador de assinatura eletrônica emitido pelo “Instituto Nacional de Tecnologia da Informação”. Determinada nova emenda da exordial Descabimento. Inexistência de exigência legal que condicione a validade de uma assinatura eletrônica à empresa certificadora cadastrada pela ICP-Brasil Art. 4º, II e III, da Lei Federal 14.063/2020. Parte contrária que ainda não foi citada, não havendo motivo, até o atual momento, para se duvidar da autenticidade das assinaturas digitais apostas nos títulos. Possibilidade de os agravados, ao integrarem a lide, discutirem eventual falsidade das assinaturas Agravo provido.[i]
Nesse caso, não havendo ainda dúvida sobre a autenticidade das assinaturas digitais apostas nas cédulas de crédito bancário que amparam a execução, foi determinado o prosseguimento da ação, uma vez que a legislação autoriza a coexistência de ambas as assinaturas eletrônicas (com ou sem credenciamento ao ICP-BR), estando previstas as duas hipóteses na Lei Federal nº 14.063, de 23.9.2020, em seu art. 4º, incisos II e III.[ii] Logo, caberá à parte contrária, se o caso, impugnar a autenticidade das assinaturas, comprovadamente.
3º caso:
Inexigibilidade de débito c/c repetição de indébito e danos morais. Contrato bancário. Empréstimo pessoal. Existência da dívida demonstrada, bem como o vínculo mantido entre as partes Ônus da instituição financeira Artigo 373, inciso II, do CPC c/c artigo 6º, inciso VIII, do CDC Atendimento Contratação eletrônica com aceite através de biometria (impressão digital e selfie) e documentos de identificação pessoal. Valores contratados transferidos para conta de titularidade do autor. Regularidade dos descontos efetuados em conta Reconhecimento Danos morais Inexistência Pedidos improcedentes Sentença reformada Sucumbência revertida. Recurso do réu provido, prejudicado o recurso do autor.[2] (…)
Inexiste vedação legal em relação à contratação por meio digital, e no caso, repita-se, o instrumento se encontra devidamente assinado eletronicamente, com a combinação de diversos fatores de autenticação que atestam a integridade da manifestação de vontade, mediante biometria (impressão digital e selfie) e juntada de documentos pessoais (fls. 81/104), o que, por certo, garante a validade jurídica do documento. “
No entendimento do colegiado que julgou o recurso, o vínculo obrigacional e a validade da declaração de vontade no contrato bancário (empréstimo pessoal) restaram demonstrados pelo documento eletrônico, biometria (impressão digital e selfie), apresentação de documentos pessoais de identificação, além de restar incontroverso o recebimento do empréstimo, afastando-se a existência de indícios de fraude.
Por fim, para fortalecer os julgados acima, foi publicada no dia 13/07/2023, a Lei 14.620/23, que dispõe sobre o “Programa Minha Casa, Minha Vida” e altera uma série de leis brasileiras, dentre elas, o artigo 784, do Código de Processo Civil (CPC), que trata sobre títulos executivos extrajudiciais, passando a vigorar com a redação do novo parágrafo 4º, que assim dispõe:
“Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: (…)
§ 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura. (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023).
Diante da novidade legislativa, para os títulos executivos eletrônicos, será admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, sendo dispensável a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.
Esperamos ter ajudado você, leitor, trazendo clareza jurídica sobre as atuais formalidades para as contratações eletrônicas e consequentes vínculos obrigacionais.
[1] TJSP, Agravo de Instrumento, Processo nº 2086011-95.2023.8.26.0000, data do julgamento 28/04/2023.
[2]TJSP, Apelação Cível nº 1092750-29.2022.8.26.0100, data do julgamento: 03/07/2023.
[i] TJSP, Agravo de Instrumento, Processo nº 2150785-37.2023.8.26.0000, data do julgamento 28/06/2023
[ii] “Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são
classificadas em: (…);
II assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em (…);
III assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001”.
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