A recente entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e o desdobramento da lamentável ocorrência no Carrefour, em Porto Alegre, envolvendo o cliente João Alberto Silveira Freitas e os seguranças terceirizados trazem ensinamentos sobre a gestão de contratos nas empresas, gerando reflexão sobre o impacto das decisões no meio corporativo e social, em geral.
Sobre a LGPD
Aquele que descumprir as regras trazidas pela LGPD estará sujeito a responder pela infração, seja por meio administrativo através de sanções advindas da fiscalização, ou através do desdobramento judicial visando a reparação do prejuízo causado.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em processo de formação, cuidará da fiscalização e aplicação das sanções em caso de tratamento de dados feito em contrariedade à lei.
Para se livrar da pesada multa[1] que pode ser imposta pela ANPD ou até mesmo minimizá-la, o infrator terá ampla defesa garantida em procedimento administrativo próprio e único para que seja demonstrada sua atuação.
Significa dizer que o infrator terá a oportunidade de demonstrar o cuidado adotado na gestão rotineira dos negócios, a fim de disponibilizar parâmetros e critérios para se chegar ao veredicto: a imposição de multa e o seu valor.
Dentre os parâmetros a serem considerados pela ANPD, conforme o art. 52, § 1º, destacamos:
“(…)
VIII – a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar o dano, voltados ao tratamento seguro e adequado de dados, em consonância com o disposto no inciso II do § 2º do art. 48 desta Lei;
IX – a adoção de política de boas práticas e governança;
X – a pronta adoção de medidas corretivas;
(…)”
Traduzindo…
A existência de uma autoridade nacional para fiscalizar e impor sanções aos agentes que infringirem as regras da LGPD reforça o alto grau de interesse social na matéria.
Trata-se de um mecanismo pensado para reforçar a preocupação com a seriedade do tratamento dos dados pessoais garantindo a efetiva responsabilização, independentemente de procedimento judicial que pode vir a ser adotado pela parte prejudicada.
Paralelo com o caso Carrefour
As imagens de João Alberto Silveira Freitas sendo espancado e morto por dois seguranças terceirizados no supermercado Carrefour correram o mundo. O CEO da empresa, Noel Prioux, pediu desculpas em horário nobre na TV.
Manifestações ganharam o país. Ações da companhia registraram queda de 5% na bolsa e o hipermercado foi expulso da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial – grupo de promoção da diversidade do qual participam as maiores empresas do país.
É patente a consequência social (e global) da gestão empresarial da rede de supermercados, especificamente, na terceirização da segurança da empresa, tema em destaque nos debates sobre o assunto:
“Isso custa mais, mas fazer economia numa questão central não faz sentido. É a garantia dos direitos dos consumidores”. [2]
“Na minha política de contratação eu tenho que ser rigoroso na escolha dos meus fornecedores. Uma primeira preocupação é com os controles, tanto do ponto de vista de compliance até dos direitos humanos”.[3]
“O Carrefour precisa explicar como está selecionando as empresas que fazem a segurança de seus estabelecimentos, quais os critérios e o treinamento. Queremos saber por que casos de violência têm se repetido em suas lojas”.[4] PROCON-SP
Interesse social e demonstração de mecanismos na rotina da gestão empresarial
Após a ocorrência, o Carrefour se pronunciou rapidamente e descreveu as medidas a serem adotadas, dando destaque para o rompimento do contrato com a empresa responsável pelos seguranças e a demissão da funcionária responsável pela loja na hora do ocorrido.
Com a notificação do PROCON-SP, o hipermercado ficou com o dever de prestar contas à sociedade, especialmente aos consumidores, devendo explicar os procedimentos administrativos adotados após o episódio, responder se o serviço de segurança é próprio ou terceirizado. No caso de ser terceirizado, quais empresas prestam serviços no Estado de São Paulo e quais os critérios para a contratação. Ainda, deve informar a política interna de treinamento de funcionários e prestadores de serviço quanto aos direitos e garantias do consumidor.
Conclusão
O que notamos em comum nos dois assuntos comentados acima – LGPD e o crime nas dependências do hipermercado?
Nossos dias exigem que a gestão das empresas seja altamente social, isto é, dotada de responsabilidade social e publicidade para assuntos que merecem ser compartilhados, na medida em que os consumidores estão cada vez mais participativos e fiscalizadores. Isso porque qualquer atividade de atendimento ao público pode trazer riscos, maiores ou menores, à vida, à saúde, à integridade física, à intimidade, à segurança, inclusive aos dados pessoais.
Essa percepção foi reforçada com a alta velocidade da comunicação nas redes sociais, fazendo com que os dirigentes, usuários dessas redes, tenham que se pronunciar e prestar contas não só à comunidade local, mas ao mundo todo.
E isso se fará presente tanto em crimes graves contra a vida, quanto, especialmente, em incidentes cibernéticos envolvendo os dados pessoais. Em qualquer caso, a empresa envolvida deverá sempre ter instrumentos sólidos a demonstrar o cuidado e a segurança no trato da sua atividade.
O Carrefour, enquanto contratante de empresa de segurança, deve dispensar atenção além do contrato de fornecimento, mas também à efetiva compliance, dispondo de plano de ação para gestão capaz de detectar ocorrências, tendências ou possibilidades de desvio.
Deve mostrar que escolheu bem o seu fornecedor!
O agente controlador de dados também tem essa incumbência, já que no dia a dia poderá fornecer os dados pessoais dos seus clientes a operadores de dados e, no caso de incidente, deverá demonstrar o critério para a escolha dos seus parceiros comerciais.
Em suma, mais do que nunca os consumidores esperam que as empresas escolham bem seus parceiros e fornecedores.
[1] As multas previstas para o descumprimento variam de 2% do faturamento bruto até R$ 50 milhões (por infração).
[2] Folha de São Paulo, 21/11/2020, A19, trazendo a avaliação de Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos, sobre a terceirização dos seguranças, que traz economia de custo, mas faz com que a empresa perca o controle da gestão.
[3] Folha de São Paulo, 21/11/2020, A19, trazendo a afirmação de Gesner Oliveira, professor da FGV, de que não se contratam terceirizados sem saber se estão alinhados com os valores das empresas.
[4] https://www.procon.sp.gov.br/procon-sp-notifica-carrefour/ Procon-SP notificou o Carrefour para que explique o episódio.
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