Há algumas semanas abordamos a questão dos depoimentos das partes e testemunhas em audiência, destacando as possíveis consequências por mentiras apresentadas em juízo. Vale lembrar que as penalidades a que se sujeitam partes e testemunhas são diferentes, porém, já escrevemos a esse respeito. Caso você não tenha lido, basta clicar aqui.
Nos últimos dias, duas sentenças proferidas por diferentes juízes do trabalho geraram certo alvoroço no meio jurídico. Ambas aplicaram pena de multa em razão da infração ao dever de falar a verdade. Uma das decisões condenou não só a reclamante, denominação que se dá à parte autora na reclamação trabalhista, como também a testemunha, que juntamente com ela procurou induzir o juízo em erro. Já a outra decisão condenou a parte, bem como seus advogados.
Dada a excepcionalidade dessas sentenças, residindo o caráter excepcional, não apenas no brilhantismo da argumentação adotada, mas sim, sobretudo, no quão raras ainda são decisões dessa natureza, vale um breve resumo desses julgamentos.
Descrente do depoimento da reclamante e da testemunha por ela levada, que insistiam na alegação de uma enorme carga de horas extras não pagas, sequer registradas pela empresa, o juiz do trabalho da 4ª Vara do Trabalho de Barueri/SP tomou uma atitude raríssima, digna de aplausos: considerando que o fórum trabalhista fica a poucas quadras do estabelecimento comercial onde trabalhavam a parte e a testemunha, o magistrado optou por visitar a loja e verificar, in loco, como se processava o controle do horário de trabalho através dos registros de entrada e saída dos empregados junto ao relógio de ponto da empresa reclamada.
Ora, constatou que as alegações da reclamante e da testemunha eram fictícias, quase que um “estelionato judicial”, como asseverou na sentença.
Então, levando em conta a falta de arrependimento da reclamante por alterar a verdade dos fatos, o tempo que o Poder Judiciário perdeu em razão de uma pretensão embasada em mentira e a necessidade de repreender a postura da reclamante e da testemunha, já que se trata de conduta que leva a população a desacreditar na Justiça, condenou a reclamante à multa por litigância de má-fé em 5% sobre o valor da causa (R$ 5.500,00). Aplicou a mesma pena à testemunha de sua indicação, muito embora tal aplicação seja tecnicamente ilegal, uma vez que, a multa só pode ser aplicada aos litigantes, que são as partes do processo. Salientou que diante da gravidade da conduta, seria cabível a aplicação da multa em seu limite legalmente imposto (10% – R$ 11.000,00), mas deixou de fazê-lo por se tratar de pessoa economicamente humilde.
Se a decisão acima comentada surpreendeu pelo fato de ter um juiz do trabalho de Barueri/SP se deslocado do fórum ao local de trabalho da reclamante, prática incomum, mas prevista em lei, a outra sentença se destacou por ter a juíza do trabalho da 2ª Vara do Trabalho de Curitiba/PR condenando a reclamante e solidariamente seus advogados, eis que todos sabiam que a demanda era ilegítima.
A trabalhadora postulava aviso prévio, estabilidade gestante, enquadramento sindical, diferenças salariais, equiparação salarial, acúmulo de funções, salário utilidade, horas extras, PLR, indenização por dano moral, multas legais e multas convencionais. Ocorre que o próprio depoimento pessoal da reclamante contradisse a tese da petição inicial, isto é, confessou o pagamento dos seus direitos, sendo que as demais provas também desmentiram a parte autora.
Foi aí que a juíza, asseverando que “(…) a criatividade dos ilustres procuradores em deduzir pedidos infundados revelam os motivos da crise ética que se enfrenta neste país em todos os níveis e esferas. (…) “, condenou a reclamante e seus advogados.
Bravejou ainda a magistrada, com razão, que “(…) busca-se, a todo custo, a obtenção de vantagens indevidas, fazendo dos processos judiciais verdadeiras aventuras, que impõe aos magistrados não apenas a busca da justiça, como também a verificação das inverdades transcritas nos corpos das peças jurídicas, que buscam induzir o julgador em erro, prática que deve ser coibida e rechaçada. (…)”.
A reclamante foi condenada por litigância de má-fé a pagar multa equivalente a 10% sobre o valor da causa, como também a indenizar o prejuízo com honorários da reclamada no valor de R$ 1.500,00, sendo seus procuradores solidariamente responsáveis pelo pagamento “(…) vez que, mesmo cientes de que o pedido é ilegítimo, tentam, de todas as formas, obter vantagem econômica por meio do processo, ainda que valendo-se de sua própria torpeza (…)”.
Finalizando, fazemos votos de que decisões como essas se tornem cada vez mais frequentes de modo a inibir as aventuras jurídicas com as quais vez ou outra nos deparamos no exercício da advocacia.
Processos: 1003624-72.2016.5.02.0204 da 4ª Vara do Trabalho de Barueri/SP e 0000070-44.2017.5.09.0002 da 2ª Vara do Trabalho de Curitiba/PR.
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