Hoje trazemos um alerta sobre a importância da boa redação nos contratos de locação, principalmente em assuntos sensíveis, ou seja, em disposições capazes de gerar a nulidade de alguma cláusula contratual.
A Lei nº 8.245/91 (conhecida como a Lei do Inquilinato) traz duas previsões com menções expressas às nulidades. A primeira se encontra no parágrafo único do artigo 37[1] e a outra no artigo 45[2].
Para ilustrar o cuidado que se deve ter para evitar a nulidade, adotaremos o artigo 37 como referência.
O art. 37 traz quatro modalidades de garantia: caução, fiança, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. O parágrafo único dispõe sobre a proibição da existência de mais de uma das modalidades de garantia em um mesmo contrato, sob pena de nulidade.
Nulidade do que?
Conforme a lei, o abuso do locador configurado na previsão de mais de uma garantia à locação provoca sua nulidade.
Na prática, uma leitura distraída da lei ou mesmo a redação equivocada da garantia no contrato de locação pode causar desavença e, o pior, a nulidade da previsão abusiva, atrasando a adoção da garantia em prol do locador.
Verifica-se que muito se confunde sobre o alcance da nulidade: (i) se seria drástica ao ponto de abranger todo o contrato, (ii) se fulminaria todas as garantias previstas ou (iii) se relacionaria apenas à garantia que foi indicada em adição à outra.
A resposta é a opção (iii) acima, pois é a que mais se ajusta aos objetivos da lei e à proteção ao locador por meio da previsão de uma das garantias trazidas na lei.
Portanto, é razoável que, quando se constate a existência de mais de uma garantia, a situação prática seja analisada para se entender qual delas deverá prevalecer, conforme o contexto.
É o que se vê nas decisões abaixo do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP):
APELAÇÃO – AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS – RECURSO DO AUTOR – DISCUSSÃO SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS GARANTES – CLARA DUPLICIDADE DE GARANTIAS – NULIDADE – PREVALÊNCIA DA GARANTIA REAL (CAUÇÃO IMOBILIÁRIA) – HIPÓTESE QUE TORNA ILEGÍTIMOS OS RÉUS CAUCIONANTES PARA FIGURAREM NO POLO PASSIVO DESTA DEMANDA – ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DESTE E. TJSP – MANUTENÇÃO DA R. SENTENÇA – RECURSO DO AUTOR NÃO PROVIDO 1 – Não é possível a coexistência de duas garantias em contrato de locação (Lei Federal n. 8.245/91, art. 37, p. u.), de modo que, no caso, a suposta responsabilidade solidária claramente assumiu feição de garantia pessoal posterior, nulificada diante da preexistência de caução real, única garantia válida. 2 – Considerando que o autor postulou, confusamente, a responsabilidade dos réus garantes com base nas duas garantias, interpreta-se, com base na premissa anterior, que a vinculação se dá unicamente pela caução. 3 – São ilegítimos para figurar no polo passivo de ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis os réus que participaram como meros caucionantes imobiliários, hipótese que exige postulação própria de excussão da garantia. Entendimento desta C. Câmara e deste E. TJSP. RECURSO DO AUTOR NÃO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1003001-20.2021.8.26.0008; Relator (a):Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII – Tatuapé – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/11/2024; Data de Registro: 29/11/2024)
Inclusive no referido julgado, o desembargador perdeu a paciência e criticou severamente a má redação do contrato e a confusão de teses lançadas pelo autor da ação:
“(…)
Como bem pontuado pelo i. Juízo a quo, o autor ignora preceitos básicos dispostos na lei. Essa tentativa de arguir a coexistência de uma caução imobiliária e uma responsabilidade solidária (hipótese óbvia de garantia fidejussória) esbarra na literalidade do art. 37, parágrafo único, da Lei Federal n. 8.245/91. É a regra, conhecida por todos e muito consolidada, de vedação à dupla garantia nos contratos locatícios. Apesar de comezinha, a regra não parece ter sido bem assimilada pelo autor, que, repito, não se decide sobre qual o fundamento para imputar aos réus ilegítimos a responsabilidade pelos valores em aberto: (i) caução ou (ii) solidariedade.
E ainda:
“Por essas razões, a solidariedade disposta no termo de fls. 71/72, além de mal redigida, é claramente nula, pois, parece necessário repetir e frisar, não é possível a coexistência de garantias. Isaura e Sérgio não podem, ao mesmo tempo, figurar como caucionantes e codevedores solidários, porquanto, nessa hipótese, o autor estaria contemplado com duas garantias para o mesmo contrato, uma real e outra fidejussória”.
Abaixo, outro julgado que demonstra que a confusão na redação do contrato foi capaz de gerar teses diferentes, o que fez com que o julgador entendesse que a menção aos fiadores e ao seu imóvel fossem compatíveis na medida em que a presença do imóvel se deu apenas como forma de informar a condição financeira dos garantidores, pessoas físicas.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS E DESPEJO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DOS FIADORES. 1. Alegação de existência de dupla garantia, pela fiança e pela indicação do imóvel no contrato. Fiadores que indicaram imóvel de sua propriedade apenas com o fim de demonstrar terem condições econômico-financeiras de prestarem a garantia por eles ofertada. Inexistência de averbação na matrícula do imóvel. Ofensa ao parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.245/1991 não configurada. 2. Impenhorabilidade do imóvel. Momento inadequado para a análise. Matéria a ser examinada em cumprimento de sentença. 3. Cobrança de valores já pagos. Tese não comprovada pelos apelantes, que se limitaram a apresentar recibos, sem maiores explicações, e que se referem a parcelas de aluguéis diversas das pretendidas pelo apelado. 4. Condenação ao pagamento de multa por rescisão culposa. Autor que não realizou tal pedido. Multa afastada. 5. Recurso de apelação parcialmente provido para afastar a condenação à multa por rescisão culposa, mantendo-se a sentença nos demais aspectos. 6. Honorários sucumbenciais recursais não fixados, conforme entendimento do Tema Repetitivo 1059 do E. STJ. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1005683-90.2017.8.26.0006; Relator (a): Eduardo Gesse; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VI – Penha de França – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2024; Data de Registro: 27/11/2024)
Nesse sentido, aliás, é bastante comum vermos contratos de locação que indicam os fiadores e um imóvel de sua propriedade no campo reservado à garantia, o que pode abrir brecha para questionamentos e acabar fragilizando a garantia dada.
Conforme mencionado na decisão acima, é importante ter em mente que a fiança é uma garantia pessoal, ou seja, o fiador é a pessoa que garante o pagamento de eventual dívida. O imóvel de sua propriedade indicado no contrato apenas comprova a existência de patrimônio do fiador, não sendo a garantia do pagamento. Por essa razão, é importante que a redação seja clara e precisa.
Em suma, o locador deve estar atento não só à garantia adotada no contrato, mas à coerência da redação, não prevendo variedade de garantias. Na prática, poderá ter problemas e se ver desprovido de proteção.
Ademais, como se não bastasse a nulidade acima explicada, a própria Lei do Inquilinato em seu artigo 43, II considera contravenção penal punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze vezes do valor do último aluguel atualizado exigir mais de uma modalidade de garantia num mesmo contrato de locação.
Como se vê, a assessoria de um advogado de confiança especializado em locação afasta o risco de problemas e garante segurança jurídica na relação locatícia.
[1] Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:
I – caução;
II – fiança;
III – seguro de fiança locatícia.
IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.
[2] Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.
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