Não é novidade que, ao se contratar um seguro de veículo, as Seguradoras solicitam ao Segurado o preenchimento de um questionário chamado “cláusula de perfil” para avaliar riscos e equacionar o valor do prêmio (entendido como o custo do seguro).
A declaração sobre a existência ou não de determinadas situações é levada em conta para a fixação do valor que o Segurado vai pagar à Seguradora:
Assim, a “cláusula de perfil” também conhecida como questionário de avaliação de risco, se por um lado pode beneficiar financeiramente o bom condutor, por outro, pode onerar o custo do seguro para aquele condutor cujo perfil, no entender da Seguradora, mostre tendências ao envolvimento em ocorrência de sinistro.
Omissão de informações no questionário do perfil
Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reverteu decisão do juiz de Primeira Instância envolvendo cláusula de perfil, o que abriu precedente para ambos os entendimentos (da Seguradora e do Segurado), conforme pode ser visto a seguir: [i]
A Seguradora negou indenização ao Segurado, haja vista que no momento do acidente o veículo estava sendo conduzido pelo seu filho de 23 anos, contrariando à prévia declaração do questionário (“cláusula de perfil”) para renovação do seguro, no qual negou que residia com um filho entre 18 e 24 anos, com a ressalva em letras maiúsculas “CIENTE E DE ACORDO QUE ESTA OPÇÃO ACARRETA A REDUÇÃO DO PRÊMIO, BEM COMO QUE NÃO HAVERÁ COBERTURA SECURITÁRIA CASO O CONDUTOR QUE ESTIVER UTILIZANDO O VEÍCULO NO MOMENTO DO SINISTRO RESIDA COM O PRINCIPAL CONDUTOR E ESTEJA NA FAIXA ETÁRIA ENTRE 18 E 24 ANOS”
Então, o Segurado acionou a Justiça, sua ação foi julgada improcedente em Primeira Instância, porém, em recurso à Segunda Instância o julgamento dos desembargadores foi favorável a ele, em votação com 3 votos a favor e 2 contra.
TJSP muda sentença e dá razão ao Segurado
Com a maioria dos votos a favor do Segurado, prevaleceu o entendimento de que, a despeito de não haver dúvidas de que o Segurado era o condutor principal e que residia com uma pessoa entre 18 e 24 anos (o que não foi relatado quando da contratação do seguro), o fato do filho estar dirigindo na ocasião do acidente não implicaria, por si só, em agravamento do risco, uma vez que, a Seguradora não teria provado que a idade determinava inabilidade para dirigir, tampouco que a inexperiência foi a causa determinante do acidente.
Sustentou-se que o que afasta a obrigação de indenizar, independentemente de qualquer cláusula, é o agravamento do risco, o que nesse caso não foi comprovado.
Boa-fé ou má-fé do segurado?
Os dois lados da moeda!
O resultado 3×2 do julgado acima bem demonstra que o assunto está longe de ser unânime! O voto vencido do relator sorteado trouxe fortes argumentos que objetivaram fortalecer o entendimento do primeiro julgador. Este afastou por completo o dever de indenizar da Seguradora e consagrou a boa-fé na contratação de seguro como aspecto inafastável.
É inegável que o voto da minoria trouxe posicionamento relevante apontando não ter sido razoável a mitigação da validade do questionário de perfil do condutor, sobre o qual não seria possível a alegação de desconhecimento pelo Segurado da sua importância e efeitos na cobertura do seguro e no valor do prêmio.
Para essa corrente, a boa-fé e a exatidão das informações prestadas na ocasião da contratação do seguro devem prevalecer, consoante nosso Código Civil determina:
“Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.
Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.”
Para eles, o fato do segurado ter sido alertado claramente, em letras maiúsculas e com sua ciência, sobre a importância da veracidade no preenchimento do questionário de perfil, não seria possível cogitar a violação ao Código de Defesa do Consumidor.
Ainda nessa linha de entendimento, concordar com a omissão ou negativa de fatos relevantes para a apuração do risco e cálculo do valor do prêmio é desprezar a boa-fé e honestidade que se espera das pessoas, trazendo insegurança para as relações.
Na nossa opinião, a reviravolta que certamente seguirá para mais um capítulo perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos mostra que casos assim trazem peculiaridades capazes de, na prática, definir o sucesso ou fracasso na busca pela indenização, caso haja sinistro.
Para o tribunal paulista, na balança dos direitos, pesou mais o critério técnico-processual de ausência de prova do agravamento do risco pelo Segurado, mesmo diante de previsão legal acerca da perda do direito à garantia na hipótese em conflito.
De qualquer forma, é importante lembrarmos que a má-fé nas relações não se presume, ela deve ser comprovada. Isso faz com que as Seguradoras tenham que se cercar de cuidados e trabalho redobrado como forma de bem gerir as contratações.
Ficam as perguntas
Boas discussões que, fatalmente, ganharão a atenção dos ministros do STJ diante do importante precedente trazido em desfavor das Seguradoras.
Vamos continuar de olho!
E você? O que achou da decisão do TJSP contrariamente à Seguradora?
[i] TJSP, Apelação 1006870.37.2019.8.26.0565, Relator Des. Silvia Rocha, data do julgamento 12/01/2021.
Entre em contato conosco!