Sabemos ser bastante comum a estratégia adotada por quem é devedor contumaz, no sentido de não ter bens em seu nome. Agindo assim, a despeito de ver contra si reconhecida uma ou mais dívidas, o devedor dificulta que seu(s) credor(es) receba(m). Isso porque, para que efetivamente ocorra o pagamento da dívida, o credor deve encontrar bens passíveis de penhora. Uma vez penhorados bens ou direitos, serão eles avaliados e levados a leilão, cujo produto se reverterá em favor do credor.
Feita tal explicação, imagine a seguinte situação: a devedora de um processo trabalhista não pagou sua dívida e não tem nenhum bem em seu nome.
Um oficial de justiça esteve na residência da devedora, tendo localizado um veículo na garagem. Referido carro não estava registrado em nome da devedora. Apesar disso, o oficial de justiça realizou a penhora, eis que o veículo estava na posse da devedora.
A terceira pessoa, em nome de quem o veículo está registrado no órgão de trânsito, compareceu ao processo e pediu o cancelamento da penhora, trazendo como justificativa o fato de que tinha cedido o carro para a devedora, por não ter condições de pagar a garagem que o abrigava, sendo que a devedora trabalhista ficaria responsável pelas despesas de combustível, impostos e manutenção.
Situação complicada, mas que é perfeitamente possível de acontecer, especialmente em se tratando de bem móvel, como é o veículo, cuja venda, em regra, se perfaz com a entrega do bem, sendo o registro no DETRAN o ato que formaliza a transferência da propriedade nos registros públicos.
Vamos entender melhor…
Pois bem, no caso em questão, a justificativa dada ao oficial não o convenceu, muito menos ao juiz e ao tribunal, tendo sido a penhora do carro confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Como justificativa para a penhora de bem registrado em nome de terceiro, o Tribunal fundamentou o entendimento na característica que dissemos acima, que é a da transferência da propriedade de um bem móvel mediante a simples entrega ao novo dono.
O registro do bem junto ao Detran se trata de providência administrativa, com efeito declaratório e não de propriedade.
O fundamento para essa transferência de propriedade se encontra previsto no Código Civil, que assim determina no art. 1.226:
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.
Logo, considerando que ficou demonstrado no processo que a devedora exercia a posse e tinha a efetiva propriedade do veículo, uma vez que ficou reconhecido que a devedora estava com o veículo havia cerca de um ano, o Tribunal houve por bem confirmar a penhora visando o pagamento da dívida[1].
Importante informar que não se trata de decisão isolada, eis que outros tribunais têm entendimento idêntico.
Então, esteja você na posição de devedor ou credor, saiba que veículo de terceiro cuja posse é exercida pelo devedor é sim passível de penhora que encontra embasamento na lei!
[1] Processo nº 1000752-61.2023.5.02.0391