Em 2022, escrevemos artigo para o Canaltech onde abordamos a possibilidade do uso da geolocalização do celular para fins de confirmar a realização de horas extras de um empregado.
À época, as decisões sobre esse tema em regra se concentravam nos Tribunais Regionais do Trabalho, que correspondem à segunda instância trabalhista.
Passado algum tempo, naturalmente as discussões judiciais já chegaram à Brasília, etapa em que alguns inadvertidamente denominam de terceira instância. Na verdade, a última, ou uma das últimas fases da análise e julgamento dos processos no chamado segundo grau de jurisdição, também conhecida como segunda instância.
Mas como funciona a geolocalização?
Nossos celulares se valem do GPS e realizam registros sobre os locais pelos quais nos deslocamos, as datas em que neles estivemos e o tempo em que lá permanecemos.
Não é exagero afirmar que estamos sob vigilância eletrônica, fato que muitos de nós sequer têm conhecimento de que esse verdadeiro patrulhamento tecnológico-digital ocorre de forma automática, por certo que mediante nossa concordância tácita ou expressa mediante a aceitação dos termos de uso que ativamos quando da configuração inicial dos nossos smartphones.
Tal monitoramento não se resume a um simples consentimento, haja vista que pode ele se dar através de diversas outras formas. A título de exemplo, podemos citar o acompanhamento por antenas de rádio-base (ERB), o Google Takeout, o Sistema IOS da Apple, registros de logs do WhatsApp e outros comunicadores instantâneos, tudo conforme bem explica esse interessante artigo publicado pelo UDF, tendo sido elaborado por um mestre em computação e por uma juíza do trabalho.
O que o Tribunal Superior do Trabalho tem a dizer?
Agora, o assunto chegou à instância superior e o Tribunal Superior do Trabalho teve que se posicionar sobre essa controversa situação relatada em alguns processos.
Mas por qual motivo o tema é controverso e causa tanto burburinho?
Pelo simples fato de se tratar de uma invasão à privacidade e à intimidade, a depender, é claro, do lado em que o interessado se encontra.
Logo, dois grandes pilares do Direito acabam por se opor frente à frente.
O que deve prevalecer no processo?
O direito à privacidade ou o direito à verdade real?
Pois bem, em um processo trabalhista, ambos os lados podem ter interesse na produção desse tipo de prova quando inexistente outro meio, ou mesmo, quando as demais provas não são suficientes para se confirmar a realização ou não das horas extras pelo empregado e, em alguns casos, valendo até como o primeiro meio de prova.
A discussão não é simples e o tema continua sem uma pacificação – tendendo a assim permanecer – eis que até mesmo perante o TST não houve unanimidade quanto à decisão[1].
Alguns dos Ministros da Subseção II, Especializada em Dissídios Individuais, se posicionaram pelo não uso da geolocalização como meio de prova.
Já outros Ministros que autorizaram o uso, posicionamento que prevaleceu na aludida decisão, ressaltaram que a ponderação de interesses em conflito demonstra que a quebra do sigilo de dados (geolocalização) revela-se adequada, necessária e proporcional.
Além disso, argumentaram que a Justiça do Trabalho acompanha o avanço tecnológico, permitindo maior segurança na utilização da prova por geolocalização, tendo citado o programa VERITAS, que foi criado e aperfeiçoado pelo TRT da 12ª Região, possuindo filtros que permitem reduzir os dados ao específico espaço de interesse judicial, como por exemplo, o local da execução dos serviços do trabalhador (o que afasta completamente a ideia de violação de sigilo, afinal servirá apenas para demonstrar que o trabalhador estava, ou não, no local da prestação de serviços, sendo apenas mais preciso e confiável do que o depoimento de uma testemunha).
Para os julgadores, há enorme incoerência no desenvolvimento de sistemas e treinamento de magistrados no uso de tecnologias essenciais para a edificação de uma sociedade que cumpra a promessa constitucional de ser mais justa (CF, 3º, I), para depois censurar a produção dessas mesmas provas.
Concluíram que é tempo de admitir a ampla produção de diligências úteis e necessárias, resguardando, porém, o quanto possível, o direito à intimidade e à privacidade do trabalhador.
Reputamos bastante razoável a argumentação trazida pelos ministros!
Certamente esse posicionamento não é um indicativo de que os magistrados passarão a deferir de plano esse tipo de produção de prova. As circunstâncias de cada caso darão azo para que o uso da geolocalização venha a confirmar se o empregado realizava ou não horas extras.
[1] PROCESSO Nº TST-ROT – 23218-21.2023.5.04.0000
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