Antes de explorarmos a pergunta, é importante ter em mente o foco da Lei 8009/90[1], a qual dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Referida lei não visa proteger o devedor contra dívidas de qualquer natureza, mas sim, a proteção da entidade familiar, considerando impenhorável o único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Entretanto, como toda regra comporta exceção, o artigo 3º da chamada lei do Bem de Família prevê algumas delas, possibilitando o afastamento da impenhorabilidade quando a execução (cobrança da dívida) for promovida:
Pois bem, em uma ação de cobrança[2], o Superior Tribunal de Justiça precisou se pronunciar sobre a seguinte controvérsia que não está prevista na lei:
É aplicável a exceção legal “crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel “para crédito decorrente da prestação de serviços de reforma e decoração residencial?
Foi consignado no julgamento que as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família devem ser interpretadas restritivamente, entretanto, “isso não significa que o julgador, no exercício de interpretação do texto, fique restrito à letra da lei”.
Nesse sentido, ponderou-se que, na prática, a reforma traz melhorias e valorização do imóvel, e, por certo, a ausência de ressarcimento do prestador de serviço enseja o enriquecimento ilícito do contratante devedor.
Adicionalmente, o objetivo da norma foi proibir que o devedor se proteja na lei da impenhorabilidade do bem de família para evitar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel.
Em outras palavras, destacou-se que a “preocupação do legislador é impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida.”
Vimos, portanto, que na prática estivemos diante de situação na qual se apôs frente a frente o instituto do bem de família, que procura garantir um mínimo de dignidade e segurança à entidade familiar, e a configuração do exercício irregular do direito, que acabou por permitir a penhora do imóvel.
Por fim, a controvérsia foi superada com a aplicação da exceção legal“crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel“ para a hipótese de crédito decorrente da prestação de serviços de reforma e decoração residencial, diga-se, negócio jurídico que envolve o próprio imóvel. Permitida, então, a penhora do imóvel pelo profissional responsável por sua reforma, ainda que seja bem de família.
Acaso queira ver outras situações onde o Poder Judiciário relativizou o direito à impenhorabilidade do bem de família, sugerimos a leitura desses nossos outros artigos:
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Bem de família alugado ou oferecido como garantia em locação comercial pode ser penhorado?
Violação da boa-fé pode causar a penhora do bem de família.
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm
[2] RECURSO ESPECIAL Nº 2082860 – RS (2023/0052940-2), MINISTRA NANCY ANDRIGHI, d.j.06 de fevereiro de 2024.